Por: José Tito, de Santa Rita de Cássia, para o Mural do Oeste
Tradicionalmente um grupo de amigos se reúne às quintas-feiras à tarde, no Café Belini, em Brasília, para um bate-papo informal, a esmo, sem assunto determinado. Dessa turma, tenho a honra de participar em diálogos alegres e acalorados, que se sucedem, como Deus é servido.
Na última quinta-feira, lá estavam ao redor da mesa “os intelectuais” de sempre: Albertão, Ataíde, Ijalmar, Mancuso, Rolemberg e este que agora descreve a conversa. Vez por outra, outros aparecem.
Os assuntos discutidos nesses encontros passam por diversos temas. Vão desde a tentativa de golpe de 8/1/23, a gestão Lula, as decisões do ministro Alexandre de Moraes, futebol, guerra em Gaza, a política-partidária nos púlpitos das igrejas evangélicas, entre outros.
Quando a pauta chegou ao Congresso Nacional, um dos “debatedores” lembrou que lá não existem mais os grandes embates entre oposição e situação, como no passado, quando se ouviam eloquentes oradores. Todos concordamos. Foi aí que me lembrei de dois reconhecidos tribunos que se destacaram pelos grandes duelos vividos no parlamento.
— Senhores, como baiano, quero citar aqui o deputado barreirense Tarcilo Vieira de Melo.
Um deles, apontando o dedo indicador pra cima de mim, se exalta: “Rapaz, respeita Carlos Lacerda, o maior tribuno de todos os tempos”.
A partir daí, os debates ficaram mais acalorados, saíram faíscas.
Com a voz exaltada, e com emoção etílica, gritei: Respeita quem? Respeita quem? Respeita quem? Para mim, Lacerda foi um golpista. E contra ele me insurjo. Foi dele a frase que ficou famosa nos anais do Congresso Nacional: “Juscelino não deve ser candidato. Se for, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
Meu caro, tenho nojo dos golpistas. Daí não ter admiração por Carlos Lacerda.
Interlocutor: “Mas você não pode negar que ele foi um orador brilhante.”
— Sim, sim, mas usou o seu talento muito mais para o mal do que para o bem da democracia. Foi ele quem muito contribuiu para o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Tá lembrado? Foi ele um dos líderes civis do golpe de 1° de abril de 1964. Tá esquecido? Ele foi brilhante na capacidade da intriga. Reconheço, porém, seus poderes oratórios.
Nesta hora, levantei-me e olhando nos olhos de cada um deles, apelei: peço a natural tolerância dos meus pares desta mesa. Preciso contar com a boa vontade de cada um em me ouvir. Permitam-me realçar aqui os dotes oratórios do deputado baiano Vieira de Melo. Começaria em dizer pra vocês que não me esqueço de Vieira de Melo com aquela frase: “Prefiro cair com a Bahia do que vencer contra a Bahia”. Ele era candidato ao governo da Bahia em 1958. Perdeu. Perdeu porque lá no nosso estado se dizia que sem dinheiro no gibão não se ganha eleição, como é até hoje. Nada mudou. Lembro do slogan da campanha dele:
Com Tarcilo Vieira de Melo, Teremos Vida Melhor.
Meus caros, há muito o que se falar sobre Vieira de Melo. Ressalto que ele foi o líder do PSD de JK no período mais conturbado do governo dele. Nenhum parlamentar da oposição o encurralou. Inclusive, próximo dia 22/4, faz exatos 54 anos de sua trágica morte num acidente de trânsito no Rio de Janeiro. Morreu com 57 anos.
Permitam-me dizer, e não aceito deboche, que Vieira de Melo foi um dos maiores oradores, senão o maior deles, dos últimos tempos. Lacerda, sarcástico e impiedoso, era do monólogo; Vieira de Melo do diálogo, do poderio verbal, de feitio cavalheiresco.
O seu desafeto Antônio Carlos Magalhães certa feita disse no plenário da Câmara: “A inteligência de V.Exa honra a minha terra. Por isso, toda vez que discursa, estou entre os seus ouvintes mais atentos.”
Cito aqui o que disse o deputado mineiro Afonso Arinos de Melo Franco: “Tarcilo Vieira de Melo foi o maior parlamentar brasileiro desde 1930. Isto não foi reconhecido pelos seus conterrâneos, que não lhe deram a vitória em duas importantes eleições: ao governo do Estado, em 1958, e ao Senado, em 1966.”
Tenho mais o que dizer pra vocês: tempos atrás, na casa do jornalista Dilson Ribeiro, tive o prazer de me encontrar com o escritor, ensaísta e jornalista, também barreirense, Hildon Rocha. Homem de cultura, foi ele o responsável pela edição do livro “Perfis Parlamentares de n° 29”, patrocinado pela Câmara Federal, sobre Vieira de Melo.
— Prezado Hildon Rocha, o Sr. que conviveu com Vieira de Melo, o Sr. que conheceu Carlos Lacerda, o Sr. que assistiu alguns duelos entre eles, para o Sr. quem foi melhor orador?
Hildon Rocha: “Não tenho a menor dificuldade em responder a sua pergunta. Ambos representaram, em duelos na tribuna parlamentar, os mais estimulantes espetáculos encenados no plenário do Palácio Tiradentes. Dois temperamentos contrastantes. Lacerda era como um demônio solto na tribuna. Um ferino no ataque. Vieira era tão firme no ataque como foi seguro nos contragolpes da defesa, na defesa de JK. Em resumo, Lacerda era incomparável no ataque; Vieira de Melo era inigualável tanto na defesa quanto no ataque. Tirei a sua dúvida?”
— Tirou e como tirou. Sou-lhe eternamente grato por essa brilhante aula. Então, Vieira de Mello era um orador mais completo, melhor.
E assim eu encerro minha participação nessa discussão de hoje. E vou morrer dizendo que Vieira de Melo era melhor do que Lacerda.
Tito Matos