Faleceu uma das figuras mais queridas de Barreiras. O sineiro Nezinho que por décadas tocou o sino na Igreja matriz de São João Batista partiu deixando a cidade mais triste.
Manoel Correia da Rocha, nome de batismo de Nezinho, completaria 80 anos amanhã (07/07/2021). Era filho de Cesário Correia da Rocha e de dona Raimunda Alves da Rocha. Nezinho faleceu em casa às 00:30 desta terça-feira. Ele sofria de problemas no intestino e nos últimos dias não vinha conseguindo se alimentar.
Quando não estava na igreja, Nezinho costumava ficar sentado na porta da casa onde morava ao lado do Colégio Costa Borges, vendo o vai e vem das pessoas em um tempo que todos se conheciam. Nezinho deixa um legado de devoção e fé. Como não podia mais ir a igreja devido a sua condição física, mandou construir um altar em sua própria casa onde fazia suas orações diárias.
Coube a dona Márcia Macêdo Ramos e a dona Iara Cardoso Régis cuidar do sineiro Nezinho por longo tempo, amizade que durou por toda uma vida.
O corpo está sendo velado na residência do falecido ao lado da Escola Costa Borges. Às 16 horas o cortejo segue para a Igreja Matriz onde será celebrada a missa de corpo presente. O sepultamento será no cemitério São João Batista.
Leia o poema de Clebert Luiz em homenagem a Nezinho:
Entre cordas e bandeirolas,
entre pombos e domingos de ramos,
o sineiro Nezinho cantarola.
Sem querer ou mesmo querendo,
enquanto dobra o dobre do sino,
ele se redobra em cânticos e cordas
e oferece-nos oferendas;
oferece-nos a face alegre
do seu oficio e suas prendas:
“Beeeedito louvado seeeeja
o glorioooooso São João…”
Por quem dobras os sinos, Nezinho?
Como quem soca um pilão,
como quem solta pipa,
como quem iça com corda e balde
água funda de um poço;
como quem puxa pra si mesmo
luz clara para o seu entorno;
como quem amassa o pão
do sino nosso de cada dia,
o sineiro Nezinho estica
com o punho da mão em calo
a corda que aciona o badalo.
Dos seus músculo em fibras
do seu muque de canoeiro
é que a corda estica e vibra
o sino, signo, sinal da cidade Barreiras.
Quem é o sineiro Nezinho?
Maestro que rege a valsa dos sinos?
Mestre-sala ao redor do mastro do divino?
Menino, me diga quem eras?
mendigo de nunca, de necas
mesmo que sempre estejas
na mesma porta de igreja
Menino, me diga quem eras?
janeiros passaram depressa?
com pressa foram fevereiros?
outonos caíram da torre?
fugiram suas primaveras
por entre quitais e janelas?
Na palma da mão de Nezinho
as linhas de sua sina, de sisal,
se entrelaçaram e teceram
as cordas que de sua mão não sai,
e se entrelaçam mais ainda nele
como se o ancorassem num porto,
pátio seguro da catedral.
Sem laço e sem amarras,
sem nó de marinheiro;
o homem-menino sineiro
dando corda ao seu brinquedo.
Com os pés plantados no chão,
com a corda presa nas mãos,
o joelho raspando o cimento dos degraus
(voo rasante de andorinha à flor d´água do rio Grande),
na tensão da musculatura,
ele nos ensina a alcançar as alturas;
nos ensina a ser trapezista
no chão do nosso presépio
(e sem rede de proteção
para o risco da queda);
nos ensina a ser alpinistas
escalando mil paredões;
nos ensina a ser equilibristas
entre o sim, o talvez e o não.
Alegria espalhada no rosto;
espantalho plantado por dentro
contra os pássaros do mau agouro;
salão da alma em festa,
palma da mão crespa,
sinal de cinza na testa,
alma lavada nas confissões.
Ele pensando alto na torre
pensando alto, mais alto ainda
até que lhe escapa da boca:
“Hosana nas alturas”.
O sino no alpendre do campanário
pende prum lado, pende pro outro;
o sino oscila em seu badalo;
balança de boca pra baixo,
ao toque, repique e ao dobre.
Só o que sobra é sua obra, sineiro.
Por quem dobras os sinos, Nezinho?
Por via das dúvidas,
lança e guarda as cordas
por cima da porta da igreja.
Porta fechada,
sino de boca pra baixo;
Nezinho recolhido em si mesmo.
Dever cumprido.