Novela escrita por Roberto de Sena
NESTE ÚLTIMO CAPÍTULO NARRA-SE A ESTRATÉGIA DO PREFEITO QUE SE DIZ REI PARA ACABAR COM A GREVE DE FOME DO LÍDER ESQUERDISTA JOÃO RUFINO E A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O REINADO EM SANTANA DAS PEDRAS.
Na manhã seguinte João Rufino despertou sob o vento frio do cerrado e ainda dentro da barraca onde estava acampado durante a greve de fome, estranhou quando começou a sentir um cheiro delicioso de cuscuz quentinho com ovo, manteiga e paçoca de carne seca.
– Esses três dias de greve de fome mexeram com o meu juízo. Já comecei a ter alucinação, tô sentindo um cheiro gostoso de cuscuz com ovo e paçoca de carne seca igual ao que se faz lá em Santana das Pedras – pensou.
Mal olhou para o lado e viu que não era alucinação. Teve uma tremenda surpresa, ao ver um dos seus assessores, agarrado num cuscuz com ovo e paçoca de carne seca e comendo que nem um jacaré e já pedindo mais dois. E dizendo o tempo todo. “Eita trem gostoso é cuscuz com ovo e paçoca de carne seca, traz mais um prato ai menino que tô é três dias sem comer. Num sei onde eu tava com a cabeça quando me meti nessa greve de fome. Isso é coisa do cabrunco, deixa o cabra virado na cloroquina. Arre égua”
O assessor ao perceber o olhar furioso de João Rufino tentou se emendar
– Desculpe João, num guentei não. A fome tava demais. Parece que tinha um esmeril roendo as tripas. Eu já tava pra entrar em coma. O arrocho tava grande e quando eu vi este cuscuz com ovo, paçoca de carne seca e esse cafezinho quente, eu tentei resistir o quanto pude, mas foi impossível. O jeito foi cair pra dentro. E tá bom que tá danado. É melhor você vir comer também e largar essa burrage de greve de fome ou então você vai morrer estrebuchando igual bode no matadouro.
Foi ai que João Rufino percebeu que era um golpe do rei de Santana das Pedras para acabar com a greve de fome e abafar o caso. Rapidamente ele reagiu, chamou os três que ainda não haviam comido o cuscuz e orientou. “Não entre nesta provocação. Isso é sinal que o nosso movimento deu certo, atraiu a atenção da imprensa nacional e internacional e o farsante rei de Santana das Pedras entrou em desespero e mandou esses cozinheiros dele aqui, fazerem essas comidas na nossa frente, apostando na nossa fraqueza para desestabilizar nosso movimento. Um dos nossos caiu nessa esparrela e mordeu a isca. Tenho certeza que os senhores são homens de fibra e de coragem e não vão se deixar levar por um prato de comida. Resistam ao cheiro, tapem o nariz, desviem o pensamento, pensem em outra coisa. Resistam. Sejam fortes. A volta de democracia é mais importante do que um prato de cuscuz com ovo e paçoca de carne seca”.
Um dos assessores, bambo das pernas, zambeta dos olhos, com uma fome miserável, advertiu
– É a amigo João, o cuscuz com ovo, manteiga e paçoca de carne seca são armas poderosas. Olhe em volta e veja a imprensa nacional e internacional toda tá comendo do cuscuz e lambendo os beiços. Acho que eles entenderão se fizermos o mesmo. Ou a gente come ou gente morre! Você não acha?
– Nada disso. Se fizermos isso estaremos fazendo aquilo que o prefeito que se diz rei, quer que façamos. Vamos resistir e continuar a greve de fome. Só assim derrubaremos o reinado e faremos a democracia voltar a Santana das Pedras.
A muito custo, João Rufino consegui que os três assessores resistissem bravamente ao desejo de matar a fome. O próprio João Rufino admitiu ser uma jogada de mestre do rei. Não era coisa fácil suportar aquele cheiro delicioso estando a três dias sem comer. Ele mesmo tivera que fazer uma força danada para não capitular. O estomago doía, a boca escumava e uma tontura tomava conta do corpo, os olhos escureciam.
Por volta das 10 horas da manhã, o negócio ficou ainda pior. Um cheiro de espetim de carne e linguiça caseira dominou o ar.
Um dos assessores, ao sentir o aroma, abriu os braços e gritou,”Valei-me meu Bom Jesus da Lapa, meu Senhor dos Aflitos, que a democracia me perdoe mas eu num aguento mais passar fome”, e pulou em cima do carrinho de espetim. Quando João Rufino olhou, o cabra já tava com dois espetinhos, um em cada canto da boca, dois nãos mãos, engolindo um atrás do outro num desespero de dar dó. Agora só restavam ele e mais dois assessores. O que fazer?
Com muito custo foram resistindo a fome cada vez mais voraz
Por volta do meio dia um aroma de buchada de bode temperada na pimenta de cheiro se alastrou na frente do Palácio do Planalto. João Rufino pensou: Ou eu como ou morro de fome e, se esquecendo de democracia, de direitos humanos, de justiça social, de igualdade de direitos, se agarrou num prato de buchada de bode e comeu por três vezes até o suor pingar da testa do líder esquerdista, os assessores esses, nem se fala, comeram ainda mais e a greve de fome chegou ao fim.
A IMPRENSA NOTICIAVA O FATO
O apresentador do jornal das oito na TV fez a seguinte chamada: URGENTE. ACABOU A GREVE DE FOME EM BRASÍLIA QUE ESTAVA SENDO FEITA POR CINCO MANIFESTANTES CONTRA O REINADO QUE FOI IMPLANTADO EM UMA PEQUENA CIDADE DO INTERIOR DA BAHIA. NOSSA REPÓRTER SANDRA DANTAS ESTÁ NO LOCAL E TEM MAIS DETALHES. BOM DIA SANDRA;
Bom dia. Realmente acabou agora a greve de fome pelo fim do reinado em Santana das Pedras. Os grevistas não resistiram a uma tática do rei de Santana das Pedras que mandou aqui para o local da greve, uma força tarefa composta por cozinheiros que capricharam no cardápio, cuscuz com ovo e paçoca de carne seca, sarapatel e buchada de bode, mocotó, entre outras iguarias do sertão. Os grevistas que estavam a três dias sem comer ao sentirem o cheiro desse delicioso cardápio sertanejo, pularam dentro com uma disposição que chamou a atenção de todos. Estamos aqui com o líder do movimento, o vereador João Rufino. Vereador foi impossível resistir ao cheiro da buchada de bode?
– É, realmente, o prefeito que se diz rei entrou em desespero ao ver que o nosso movimento estava crescendo e que iriamos derrubá-lo do poder e deu esse golpe baixo. Quem é do sertão, tando de barriga cheia num aguenta sentir cheiro de buchada de bode, imagina quem tava que nem nós aqui com vários dias sem comer. Mas isso não ficará assim, levarei o protesto a ONU e vou pedir aos nossos deputados no Congresso Nacional que apresentem um projeto proibindo buchada de bode e cuscuz com ovo em greve de fome. Isso é uma covardia contra os grevistas e é contra a democracia e os direitos humanos. Fica registrado o meu protesto.
O presidente que acompanhava a transmissão do seu gabinete, ligou para o rei de Santana das Pedras
– Você é um gênio, os homens num guentaram nem de manha até meio dia
-Eu sabia presidente, esse povo da esquerda num pode sentir um cheiro de carne de bode que larga tudo e cai pra dentro, morra quem morrer.
Olha presidente acho que a gente deve aproveitar o momento e o senhor vir aqui em Santana das Pedras receber o título de cidadão de nossa cidade. Vamos fazer uma grande festa para o senhor.
Assim foi feito. O presidente foi a Santana das Pedras, recebeu o título de cidadão e o reinado continuou ainda por algum tempo. Mas não durou muito. O Supremo Tribunal Federal se manifestou a respeito do assunto e disse que não podia haver reinado no Brasil, cassou o mandato do prefeito que se dizia rei e ainda decretou a prisão do soberano alegando que ele havia atentado contra a constituição ao criar o reinado e estabelecer pena de morte, coisa que a lei não permitia.
O prefeito que se dizia rei, não chegou a ser preso. Escapou ou como diz o povo, “anoiteceu e não amanheceu”. Se picou, escafedeu. Hoje em dia vive um velhinho já perto dos 100 anos no povoado da Barrinha nos confins do sertão. A noite ele reúne as crianças para contar que no passado já foi rei. Os meninos ouvem e dão risadas do delírio do velhinho. Não se sabe se é o mesmo mas bem que pode ser.
O certo é que em muitas cidades do interior, o poder é passado de pai para filho, de filho para neto. Nestes lugares a democracia não passa de um nome, uma ficção, na verdade não se sabe nem o que é. A única função do povo é votar. Fora disso permanecem todos sem direito algum. São cidades onde o reinado sempre foi o modelo de governo e, pelo jeito, vai continuar a ser por muito tempo ainda.
INTÉ.
FIM