“Essa noite nosso espírito é tomado pelos sentimentos que nutriram a vivência em nosso lar e fizeram-se amalgama de amor e união indizíveis.
Para falar do meu pai, preciso dividir a minha voz, que não pode se embargar, em duas dimensões: o amor filial e a admiração ao cidadão. Não raro um filho descreve o pai como seu herói – eu não estarei muito distante disso, mas as minhas palavras serão exatas, racionais e todos aqueles que o conheceram as reconhecerão como realidade.
“E o meu medo maior é o espelho se quebrar, esse verso da música de João Nogueira ecoou nítido no martírio de perder o nosso pai. O contraponto: “quando o espelho é bom ninguém jamais morreu” foi bálsamo para prosseguirmos, irmanados pelo amor e união que nossos pais tão bem souberam plantar e, naquele momento, com regadio ainda mais intenso de mãe, dona Nazilde.
Lá se vão aproximadamente 26 anos da sua partida, momento em que a vida parecia fenecer. Mas, como dizia o poeta Fernando Pessoa ou o General da Pompéia, navegar é preciso! E seguimos com o reverberar do seu exemplo, das suas falas, da sua firmeza, da sua sabedoria, da sua inteligência, do seu afeto e dos seus ensinamentos.
Certamente, a cada dia estamos mais impregnados do seu amor e do seu ser, pois a maturidade é lente poderosa que desnuda faces e imagens cada vez mais nítidas e reais. A todo tempo, com permissão da redundância, encorpamos a certeza de que tivemos o melhor pai do mundo para quem somos!
O homem pai de família e o homem cidadão se imbricam, porque se revestiram da mesma integridade.
Nascido em Guarabira, oeste da Paraíba, por obra do destino, perdeu seu pai muito cedo e teve que iniciar, também cedo o seu labor para aliviar a carga de sua mãe que passou a ser costureira para garantir o sustento dos seus três filhos. Nossa avó, na sua simplicidade, sabia que somente por meio dos estudos os seus filhos prosperariam. Aprovado em concurso público para o Banco do Brasil, começou a lida como Fiscal em Sergipe, momento de base econômica fortemente agrária.
Chegou em Barreiras no final da década de 50, com seus vinte e poucos anos. Aqui se casou com uma barreirense…O amor e o sabor das águas do Rio de Ondas o fixaram, a um só tempo, de maneira arrebatadora e terna. Aqui nasceram os seus cinco filhos, Othoniel (in memoriam), Virgínia, eu (Dicíola), Maria Denise e Wilson Henrique, que lhe deram nove netos: Bernardo, Lorena, Natália, Melissa, Paula, Felipe Afonso, Fernanda, Henrique e Camila e uma bisneta Alice.
Pai amoroso, extremamente participativo, paciente, presente, dedicado e racional, figurava como um cajado e nos apoiar e dar a proteção que precisávamos. Sabíamos com exatidão o que dizia com o seu olhar e o obedecíamos, sem hesitar. houve um tempo que algumas amigas comentavam que ele era o pai que muitas queriam ter. Pulso firme, mas não cerceava o nosso viver. Confiava nos seus ensinamentos, no seu amor, e na sua genética, penso eu.
Ao longo da sua vida desenvolveu um gosto extremado pelos estudos. Lia com voracidade os mais diversos gêneros…
Sedento por aprender, estudava literatura, medicina (um sonho de menino que as obrigações da vida o levaram a renunciar), economia, história e outras áreas mais que se faziam necessária para aprimorar o seu fazer. Nessas suas incursões, muitas vezes dialogava conosco para transmitir suas ideias, partilhar seu conhecimento e despertar o mesmo sentimento apaixonado pelo saber.
Participou ativamente da vida na sociedade barreirense, se envolveu em atividades filantrópicas, festas, bailes e festejos de tradição. Magnânimo, não se eximia de cuidar de quem dele necessitasse, sobretudo dos amigos. Nossa casa era uma festa: frequentada por seus colegas de trabalho, seus familiares barreirenses e amigos. Nomes como Dante, Carlô, Vandir, Valdir, Luzo, Cafoba, Darlan, Osmar, Carneirinho, Arlinson, Adilson, Adnélio, Nilson, Nei, Tonhão, entre outros, eram nomes sonoramente pronunciados e presenças fortes em nossas vidas.
Os fins de semana eram dedicados ao lazer familiar que transformava-se numa festa quando nos reuníamos com outras famílias próximas à nossa. Rio de Ondas, Cachoeira do Acaba-Vida, Chácaras (Ondina), Jogos, Clube, Fazenda, etc…os mínimos gestos e ações, nos faziam aninhados, protegidos e amados; sabíamos do nosso lugar, o que talvez nos fez mais fortes para enfrentar a vida.
Como bancário, imprimiu sua marca de competência e responsabilidade. Gerente de crédito rural, fez muito pelo Vale e pelo Cerrado, viabilizando crédito aos Produtores Rurais, em busca de alternativas para impulsionar o crescimento da lavoura e da pecuária em nossa região.
Dentre duas contribuições filantrópicas podemos destacar o cargo de Curador da Panair do Brasil, onde convivia intensamente com o Sr Areas, outro cidadão digno, numa parceria de amizade que ficou por toda a vida.
Nos anos 60, exerceu o cargo de presidente do Hospital Eurico Dutra, organizando o espaço e viabilizando melhorias na sua estrutura física, época em que a amizade com o querido Dr. Herculano Faria estreitou-se e se fez para toda vida, bem como com o Dr. Gileno.
Presidente do Clube O Dragão Social, Presidente e um dos fundadores da Associação Atlética Banco do Brasil, ministrou aulas de inglês na Fundação Custódia Rocha de Carvalho (Colégio Padre Vieira).
Vale dizer que, em razão da língua inglesa, do seu conhecimento acerca da região e da fama de bom anfitrião, sempre que chegava um cidadão estrangeiro, meu pai era requisitado para recepcionar e mediar conversas. Por nossa casa passaram vários desbravadores do Oeste, que na época ainda se assemelhava com o velho Oeste Americano. Podemos ainda citar a sua participação no fomento da criação de cooperativas, uma modalidade ainda incipiente em nossa cultura.
Por toda a vida a educação foi um tema fundamental na vivência do nosso pai. Todas as oportunidades de crescimento que se apresentavam, de imediato ele nos incentivava a viver. Atento à nossa formação educacional, tal qual sua mãe, mudou-se para Salvador no ano de 1977, a fim de garantir a graduação dos seus filhos, sem abrir mão da convivência familiar tão importante, para ele, na formação do caráter, dos bons modos e do respeito.
Em Salvador sua carreira profissional ganhou novos contornos quando foi convidado para trabalhar como Assessor na Superintendência do Banco do Brasil. Exerceu suas funções até aposentar=se, já com os filhos bem encaminhados, e retornou para Barreiras como havia prometido a sua esposa, minha mãe.
A nos influenciar, corajosamente avançou em busca do sonho de sua graduação, que já não tinha mais tempo para ser na área médica. Ingressou na Universidade Católica de Salvador para cursar Direito. No mesmo caminho seguiram os filhos Denise e Wilson Henrique, que mais adiante seriam seguidos pelos netos Bernardo, Lorena, Paula, Fernanda, Henrique e Camila. Os outros três netos, Natália, Melissa e Felipe, concidentemente percorreram os caminhos dos seus sonhos: a medicina.
De volta a Barreiras em 1985, exerceu a convite, o cargo de primeiro Diretor do Juizado de Pequenas Causas Cíveis.
Viveu por mais 13 anos, oportunidade em que começou a sua colheita, mas que seria bem mais farta do que ele poderia presenciar.
O sonho do homem Othoniel foi realizado em suas obras e eternizados pela sua descendência que hoje regoziza-se com com a honraria prestada pela vereadora Graça Melo e pelo Prefeito Zito Barbosa.]
Tive o privilégio de ser filha, muitas vezes confidente de suas aventuras de menino, de momentos especiais que viveu na sua infância, de momentos tristes e momentos felizes; de poder ouvi-lo na sua fé, na agonia de perder seu filho, meu irmão, e de muitas outras prosas…em cada momento desse, captava mais um pouquinho do mosaico que o compunha e fazia a imensa beleza do seu ser. Digo com segurança e sem medo de parecer vaidosa, como foi grande e brilhante o nosso pai!
Temos convicção de que ele foi o nosso maior exemplo de dignidade e honradez; que ele é tudo aquilo que perseguimos ser, mas que ainda não somos, embora a similitude seja evidenciada em vários sinais.
Que essa Escola seja abençoada com um corpo gestor responsável, quadro de professores competentes e funcionários capazes e conscientes do seu papel; conscientes das possibilidades que a educação permite e viabiliza. Que esta escola ofereça uma aprendizagem sólida e apropriada para cumprir o papel social de incluir.
Por fim, cito um trecho do poema do Padre Antonio Vieira:
“São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho!