Naquela noite em Santana das Pedras, os defuntos, liderados pela alma do ex-prefeito Zé Maritaca, convocaram uma assembleia geral e decidiram que iriam aumentar ainda mais o terror na cidade até que o prefeito entendesse que eles não estavam pra brincadeira.
“Vamos botar uma mulher para largar o marido e se amigar com um bode e depois ela ainda vai querer fazer o matrimônio no civil e no religioso com o bode. Vai ser um leprego na cidade” disse a alma de Zé Maritaca, dando risadas de sua própria ideia.
A COISA ACONTECE
Dias depois Ana de Chico da Beira do Rio, chega em casa e diz ao marido que tinha vontade de ter um bode. Chico, que só fazia o que a mulher mandava, comprou um bode para a sua senhora e botou em um chiqueiro no quintal. Ana não gostou e soltou os cachorros em Chico. “O bode não vai ficar em chiqueiro não. Ele tem que morar aqui dentro de casa com a gente. Tem que ser tratado como se fosse uma pessoa da família”
Como é que é? O bode vai morar aqui na nossa casa conosco? Perguntou Chico bestificado com aquele negócio.
“Isso mesmo” respondeu a mulher.
Chico percebeu que algo de estranho estava acontecendo. Ana estava com a voz e os gestos diferentes, parecendo outra pessoa e agora ainda vinha com aquele loucura de colocar um bode dentro de casa. Apesar disso Chico obedeceu a mulher e trouxe o bode para dentro de casa. Quem já criou bode sabe que o bicho é terrível, não para quieto, sobe em tudo, faz estripulia para todo lado. O bicho é cheio de traquinagem. O bode da mulher de Chico não era diferente, pulava no sofá, do sofá pro armário, do armário para a prateleira, aprendeu a ligar o fogão, a abrir a geladeira e comer tudo que tinha dentro, aprendeu a ligar a televisão e tinha que ser no canal que ele queria. Era um remulengo danado.
Para aumentar o aperreio de Chico, a mulher ordenou: o bode agora vai almoçar e jantar com a gente na mesa, o bode agora é quem senta na cabeceira, você senta do lado da mesa.
Tô perdido – pensou Chico.
Uns amigos de Chico chegaram certa vez em sua casa na hora do almoço e estranharam aquele negócio. Um bode almoçando na mesa junto com Ana e Chico e, como se não bastasse, o bode ainda estava sentado na cabeceira da mesa como se ele fosse o dono da casa, o chefe da família. Que armação do cão seria aquela?
Logo, logo, o BOCANET espalhou pela cidade que a mulher de Chico estava amigada com um bode. Chico prometeu matar quem estivesse espalhando essa conversa.
Mas eis que, uma certa noite, Chico chega em casa e sua esposa lhe diz. “O bode agora vai dormir com nós dois, na mesma cama.
Chico, um homem calmo perdeu as estribeiras e gritou
– De jeito nenhum. Com bode eu não durmo nem amarrado. Isso é coisa do Satanás. Já não somos mais um casal. Somos um trisal, um homem, uma mulher e um bode.
Quando Chico disse isso deu o maior bode. A mulher ficou furiosa e respondeu mais alto ainda.
-O bode vai dormir na nossa cama. Se você não gostou da ideia, vá dormir no sofá da sala.
Chico achou que ai já era demais e deu um ultimato a mulher.
-Ou eu ou o bode. Você decide.
A mulher não pensou nem duas vezes
– Eu fico com o bode.
Ao coitado do Chico não restou outra alternativa a não ser pegar sua trouxa de roupa e voltar a morar em seu barraco na beira do rio. “Que destino miserável o meu, levar chifre de um bode. Vou meter a cara na cachaça para tentar esquecer essa tragédia que me aconteceu” pensou ele.
O caso se transformou em um grande escândalo em Santana das Pedras. Só se falava na mulher que largou o marido e foi viver com um bode. Dias depois surge a notícia de que a mulher havia se divorciado de Chico pois pretendia contrair matrimônio no civil e no religioso com o danado do bode.
Este era o assunto mais comentado no BOCANET de Santana das Pedras.
No bar do seu Odilon a pauta era o casamento da mulher com o bode.
-É seu Odilon, o mundo virou mesmo, agora tem até casamento de mulher com bode. Onde já se viu isso?
-É verdade cumpade Bento. Será que justiça vai aceitar esse tipo de casamento? Essa eu quero ver. Nunca vi falar que gente casa com bicho. Sei que tem gente de todo jeito no mundo mas dai até casar oficialmente com um bicho, principalmente com um bode, só pode ser coisa do demônio. Esse negócio tá muito esquisito, tá muito estranho. O senhor não acha?
-Acho. Tá parecendo coisa do outro mundo.
No cemitério as almas escutavam as conversas e davam risadas. “Eles não sabem o que nós ainda vamos aprontar em Santana das Pedras. Ou prefeito desiste de construir a barragem e arruma o nosso cemitério, ou vamos virar esta cidade de pernas para o ar. Tem muita coisa para acontecer daqui pra frente. Agora é que a história vai pegar fogo” dizia alma do ex-prefeito Zé Maritaca. Os demais defuntos, sentados em volta embaixo do pé de aroeira, gargalhavam.
LEIA AMANHÃ O PRÓXIMO CAPÍTULO DA MINISSÉRIE “A REVOLTA DOS DEFUNTOS”