Eu sei que eu sou um ser do desespero.
Não sei se alguém conhece mais o desespero do que eu.
trago o desespero estampado no fundo dos olhos
e sei que morrerei com a corda do desespero
amarrada em meus pescoço e que meu corpo
se debaterá de desespero nesta hora final.
Todo dia rezo e peço a Deus que ele me livre do desespero
e me faça um homem livre dessas alucinações
desses delírios, dessa maluquice
mas quem disse?
O desespero corre atrás de mim
igual a um imenso lobo faminto
Por tantas vezes já acordei desesperado
já vomitei o desespero
tive cólicas de desespero
já fui parar no hospital completamente desesperado
mas não existe aparelho de medir o desespero
Nem médico, nem pai de santo, nem pastor, padre,
nem as cartomantes, as videntes,
as ciganas que leem a mão. Ninguém sabe medir
o grau exato do desespero de um ser humano desesperado
O desespero, meus amigos e minhas amigas, possui várias faces.
Face de homem, de mulher, de criança, de bicho horrendo nas noites de breu e loucura
e desta forma o desespero vai lhe empurrando para o abismo
e pra você se jogar basta um minuto, um relâmpago de desassossego,
um enigma. Um paradigma que se amálgama em sua alma torturada
Deve ser semelhante – o desespero – a viver em um campo de concentração
com a Gestapo lhe ordenando entrar nas câmaras de gás de onde você jamais sairá vivo.
Mil vozes gritando por socorro mesmo sabendo que ninguém se importa
que ninguém vem lhe socorrer.
E até a esperança ao ver aquele quadro horrendo,
Aquela barbárie, foge desesperada, descabelada
até a própria esperança se desespera
e se lança em uma diáspora áspera a espera de uma primavera em algum canto do mundo
Estou escrevendo na primeira pessoa do singular
mas não é só a primeira pessoa pois o desespero – infelizmente -não é singular. É plural
Represento aqui os milhões de povos do mundo inteiro
que estão caminhando na corda do desespero,
Meus irmãos da África com sua tenebrosa diáspora de mulheres, crianças, e homens negros escravizados
em lugares distantes, inclusive neste país que não se redime
e uma nova face da escravidão imprime
primando pelo que há de mais aterrador.
Escrevo pelos meus irmãos e irmãs da América Latina,
De Israel e da Palestina e todos os países periféricos do terceiro mundo
sem lugar de fala, sem ter como se defender
e que vão sendo triturados pelo imenso moinho de moer carne humana
escrevo pelos que são assassinados para tráfico de órgãos
São em nome desses que a poesia se ergue
e levanta os punhos e mostra a faca nos dentes
Os velhos dormindo nas calçadas,
os que enfrentam filas no hospitais
os que perambulam pelas ruas do mundo
carregando nas costas um saco no qual o desespero pesa mais do que pedras
Os que morrem de fome
os desempregados
os que morrem de frio e tristeza
os que são abandonados e transformados em lixo humano
estas pessoas sangram de desespero
e quase ninguém lhe volta os olhos
Os senhores e senhoras donos da vida e da morte
donos de terra, gado e gente
os donos do mundo
saem da missa ou do culto
entram em seus carrões e não estendem os olhos para essa gente
-como Cristo o faria se aqui estivesse –
Tenham certeza, meus amigos e minhas amigas,
não escrevo por mim apenas
escrevo por todos que tentam se equilibrar na corda bamba.
Este poema saído de uma vez só do fundo da alma
não vai mudar nada
não terá a capacidade de comover quase ninguém
mas mesmo assim resisto
escrevendo este documento
que pretende ser um carimbo do desespero
na face de pedra da humanidade.
Humanidade?
Um soco
um tapa na cara.
Esta é a minha canção visceral escrita na beira do abismo.