O ano era 1983 do século 20. Um grupo de jovens barreirenses se reunia constantemente para discutir poesia, música, filosofia, teatro e outras artes. Destes encontros surgiu a ideia de fundar um grupo batizado de CLAREZA e que teria a “ambição” de colocar artes nas ruas para o povo ver de perto e de graça. Barreiras vivia um período de estagnação cultural e de novidade havia a chegada dos primeiros sulistas para plantarem soja no cerrado. A presença deles ainda não era tão forte na cidade. Foi neste cenário – com a ditadura militar já nos seus estertores – que o grupo CLAREZA surgiu e provocou uma tremenda agitação na cultura de Barreiras.
O grupo se virava como podia e realizava exposições em praças públicas (foram várias na praça da matriz onde eram apresentada desde poesia, artes plásticas, música e muito mais., no Colégio Padre Vieira, no Centro Educacional de Barreirinhas e em outros locais da cidade). Aos poucos o grupo foi ganhando nome e não disfarçava a imitação a Caetano Veloso e Gilberto Gil, ídolos de quase todos os componentes do CLAREZA. Sonhávamos fazer em Barreiras um movimento baseado na Tropicália de Caetano e Gil e, em seguida, voar mais alto pelo Brasil. (Desculpe a rima)
Participavam do grupo, este que escreve estas linhas (Roberto de Sena), Carlos Abdon, o saudoso e inesquecível amigo Carlos Luis, Theonas Dourado, Juracy Lima, o saudoso e inesquecível Bira Lima, Zimar, Ekton (Quetinho), Luis Carlos, saudoso e também inesquecível amigo. Não faziam parte diretamente do grupo mas caminhavam juntos na mesma tribo Bosco Fernandes, Morelo, Aylton Lustosa, Ronaldo Sena, Avelino Moreira, Clerbert Luiz, Randesmar Vieira, Agamenon, entre muitos outros que amavam a arte e faziam dela a sua forma de expressão na vida.
Aquele foi um tempo que jamais sairá de nossas lembranças. Hoje que já estamos todos maduros, uns inclusive já se foram fora da hora combinada, hoje que temos mais passado que futuro, olhamos para traz e nos orgulhamos de, com os nossos espíritos juvenis, ter enfrentado aquela barra, segurado aquela onda e, em nome da arte, termos botado o nosso bloco na rua com força e coragem.
Por falar nisso um dos nomes dos shows do CLAREZA foi emblemático. COM A CARA E A CORAGEM, realizado no Cine Teatro Boa Vista em Barreirinhas que na época era de propriedade de Pinta Machado ou do saudoso Edney, não me lembro agora. Sei que foi uma noite para não se esquecer. O Cine estava lotado e o show foi realmente muito bom, só com canções do grupo. Canções que são cantadas até hoje por muita gente de Barreiras. Neste período lancei em parceria com Carlos Luis um panfleto poético de nome ESTROVENGA PORRA LOUCA, depois lancei um livro de poesia chamado POR INCRESÇA QUE PARÍVEL, cujo título foi dado pelo meu amigo Bosco Fernandes e seguimos em frente sempre tendo a arte como o nosso norte.
É certo que não voamos pelo Brasil como sonhávamos, é certo que ficamos aqui escrevendo e publicando livros na nossa região para consumo de uns poucos amigos (Como diria Paulo Leminski sobre sua amada Curitiba). Com o tempo e o esgarçar que toda relação humana tem, o grupo CLAREZA acabou. O roteiro para tudo acabar pode ser resumido em um verso do eterno gênio da música brasileira BELCHIOR, “ai vem a (necessidade) de grana e Adeus caras bons de bola (de arte).”
A vida veio com seus dentes de moer carne humana e tivemos que arrumar emprego, cortar os cabelos, (que metaforicamente significava também, cortar ideias), usar roupas comportadas, virar aquilo que a sociedade espera que você vire: seres que obedecem, que dizem “sim”, que baixam a cabeça e batem continência na esperança de ajudar a família, de sair da pobreza, de conquistar vida melhor. Foi assim para muitos de nós e assim continua sendo a esta altura da vida.
Seja como for, o certo é que acreditamos na arte e fizemos dela o nosso passaporte para entender o funcionamento da vida. Errado ou certo, continuamos fazendo, já sem as ilusões da juventude mas com a mesma vontade, a mesma disposição e o mesmo amor. As novas gerações estão assumindo o nosso lugar, enfrentarão as mesmas dificuldades, as mesmas incompreensões e novos desafios mas, tenho certeza, que serão mais fortes que nós, e utilizarão a arte como um dos mais fortes elementos de reflexão e mudança que a humanidade já criou com todas as implicações que ela pode ter.
A mim me parece que o que fizemos valeu apena. Pelo menos para nós como uma espécie de exorcismo e de busca daquilo que viemos ao mundo para fazer. Se foi certo ou errado, isso é outra discussão. Fica o registro para que as novas gerações saibam que um dia em Barreiras existiu um grupo chamado CLAREZA que lutou com obstinação e coragem em defesa da arte.
As fotos são do arquivo do grande poeta Carlos Abdon. Ele foi um dos mentores do nosso grupo, compositor de belas canções e uma das vozes mais bonitas que já tive a oportunidade de ouvir. Fizemos juntos algumas canções naquela época e que, para nossa surpresa permanecem atuais.
Bola pra frente rapaziada.
Roberto de Sena
OBS. As fotos não estão boas. Foram tiradas em 1983 do século 20. Vale o registro.