NO CAPÍTULO ANTERIOR, O SEGURANÇA RUI CABURÉ CONVERSAVA COM JOÃO PELA ONÇA. NO CAPÍTULO DE HOJE A CONVERSA PROSSEGUE.
Rui Caburé, entornou outro copo de cachaça, deu um meio sorriso no seu rosto acaburezado e disse.
– Olha, se morto saiu da sepultura e derrubou o muro do cemitério é a primeira vez que eu ouço falar num tendepá desse. Eu num acredito nisso e te garanto: se aparecer um morto desse na minha frente, eu meto bala nele para ele morrer de novo. Morreu tá morrido. Num tem esse negócio de querer aparecer novamente não. Home quá. Se eu num tenho medo de gente viva, vou ter medo de quem já morreu? Adonde? E tem mais uma que eu vou dizer agora: se o prefeito quiser artorizar a construção de uma barragem aqui é um direito dele. Ele é o prefeito e ele é quem sabe o que deve ser feito. O povo num tem nada a ver com isso. Num tem que se meter nisso.Nem quem tá vivo e muito menos quem tá morto. Adonde que já se viu isso? Só aqui em Santana das Pedras mesmo onde tudo parece ser possível.
João Pela Onça – tinha um grande temor pelos mortos e não gostava de que se fizesse pouco caso dos que já partiram desta para a melhor. Usando de diplomacia ele advertiu Rui Caburé.
– Olha Rui, isso pode até ser conversa do povo mas eu num duvido de nada e acho bom você não duvidar também. Os mistérios do outro mundo existem e nós aqui neste terra não sabemos de nada. Não sabemos de onde a gente veio e nem pra donde a gente vai. Pode ter certeza disso.
Rui Caburé replicou sem perda de tempo
– Pois comigo num tem mistério nem nesse e nem no outro mundo. Vacilou comigo eu meto bala e se for gente que já tiver morrido, melhor ainda: eu mato de novo pra deixar de ser atrevido e sair lá das profundezas para voltar ao mundo. Comigo é assim: morreu e acha que tá vivo, mato de novo. Não escapa um e vou sair agora mesmo para ver se encontro algum defunto andando pela rua para eu mandar ele de volta para o lugar de onde não devia ter saído.
Rui Caburé deixou o bar do seu Odilon levando na cintura sua inseparável peixeira de cabo branco e sua cartucheira atravessada no peito a maneira de Lampião.
João Pela Onça comentou com seu Odilon
– É… ele pode ser matador de gente viva mas matador de gente morta, eu nunca ouvi falar.
– Nem eu – disse seu Odilon fazendo o sinal da cruz.
Naquela noite os moradores de Santana das Pedras se viram obrigados a se recolher mais cedo. Acostumados ao calor de 40 graus, eles tiveram a repentina sensação de um vento gelado vindo das bandas do cemitério e dominando toda a cidade. Cachorros ganiam pelas ruas, gatos miavam desesperados, bois mugiam de forma jamais vista parecendo voz de alma penada, raposas esperneavam e até urubu cantou de frio. Nas casas os moradores se cobriam com três ou quatro cobertas e o vento gelado continuava cada vez mais forte.
Muitos tentaram acender fogueiras nas cozinhas para diminuir o frio mas não se sabe por qual estranho fenômeno, por mais que se botasse lenha, o fogo não pegava nem com gasolina. Os fogões a gás simplesmente não funcionaram. O que teve de gente tremendo de frio e de medo aquela noite em Santana das Pedras, não foi brincadeira.
Que negócio estranho seria aquele? Primeiro o muro do cemitério é derrubado misteriosamente, um dia depois um vento frio jamais visto no sertão fez todos baterem o queixo.
_ Isso num tá certo, disse seu Odilon conversando com dona Marilda, presidente da Associação das Mulheres Defensoras das Famílias e dos bons Costumes de Santana das Pedras.
– Lá isso é verdade seu Odilon. Nunca vi na minha vida um bolodório desse. Vamos ter que reunir a associação para rezar uns benditos e cantar umas jaculatórias que algo muito estranho está acontecendo em Santana das Pedras. Imagine o senhor que pela primeira vez se ouviu urubu cantar e de noite. Urubu não canta nunca, nem durante o dia, e esses cantaram de noite. Imagine: urubu cantar de noite. De noite! De noite! O senhor sabe que Urubu quando canta é sinal de que tragédias estão a caminho.
Seu Odilon passou a mão no rosto e perguntou
– Não seria por causa da tal desta barragem que dizem que o prefeito autorizou em Santana das Pedras. Esse caso não tá me cheirando bem.
-Acho que esses fenômenos estão acontecendo não só por causa da tal barragem mas também porque o prefeito está deixando o cemitério abandonado e os mortos se revoltaram e resolveram promover esse pucha encolhe que nunca se viu aqui, num sabe.
-Também acho dona Marilda, disse seu Odilon sem esconder o medo.
NÃO PERCA AMANHÃ O PRÓXIMO CAPITULO DESTA HISTÓRIA DO OUTRO MUNDO.