SORRIA: RELEIA A NOVELA “O PREFEITO QUE ACABOU COM A ELEIÇÃO E SE DECLAROU REI” DE AUTORIA DE ROBERTO DE SENA
7 de agosto de 2022

Novela de Roberto de Sena

 

Naquela manhã de sol escaldante no sertão da Bahia, a população de Santana das Pedras estava nas ruas fazendo passeata, promovendo um tremendo rebuliço na praça em frente ao prédio da prefeitura. Os salários dos servidores estavam com mais de um ano de atraso, os professores entraram em greve, nos postos de saúde não tinha médico e nem remédios. Por esses e outros motivos, as manifestações pipocavam embaixo de um sol de  40 graus. Os grevistas  faziam o de sempre: portavam faixas e cartazes, exigiam a renúncia do prefeito e, aos berros achincalhavam o gestor municipal.

No gabinete, cercado de assessores, o prefeito  anda de um lado para o outro, passa o lenço no rosto molhado de suor e não consegue  esconder o desassossego.

Um dos assessores, ouvindo os gritos dos manifestantes, vendo que o prefeito estava encurralado e sentindo que a coisa caminhava para o pior, faz, meio por acaso, o seguinte comentário. “Bom mesmo  era no tempo do reinado, quem falasse mal do rei era condenado a morte, na forca. E ficou repetindo. “Bom mesmo era no tempo do reinado. Bom mesmo era no tempo do reinado”

Ao ouvir aquilo, o prefeito teve um estalo no cérebro e com um jeito enigmático ficou olhando pela janela à praça onde a multidão protestava. De lá os gritos chegavam aos ouvidos do prefeito e dos assessores.

Fora prefeito corrupto,

Fora comedor de propina

Fora ditador

Abaixo a ditadura de Santana das Pedras

Dentro do gabinete o assessor tornou a repetir: “É o que eu digo, bom mesmo era no tempo do reinado, quem falasse mal do rei ia parar na forca. Bom mesmo era no tempo do reinado, bom mesmo era no tempo do reinado”

Nem bem o rapaz terminou de falar e o prefeito virou-se para ele e perguntou, secamente:.

“Você disse reinado? Foi isso mesmo que você falou meu jovem?”

O rapaz, sentiu um tremor nas pernas,  com medo pensou que iria ser demitido e choramingou pedindo perdão

– “Sim, sim, me desculpe seu prefeito, foi uma besteira minha, é que eu sou meio bestaiado da ideia, desmiolado, ruim da bola, zoró, miolo mole,  pode me dar um esporro que eu mereço pra eu aprender a não falar basteira. Me perdoa por favor, não me demita. Eu preciso do emprego, tenho família para sustentar.”

Para surpresa de todos,  o prefeito atravessou a sala e deu um longo abraço no assessor

– Que demitir que nada! Que esporro que nada meu rapaz! Você merece um prêmio por essa ideia genial que você me deu. Merece um aumento.  Como não pensei nisso antes? Vou acabar com essa bestagem de eleição e transformar Santana das Pedras em uma monarquia,  como existia antigamente, num sabe? Vamos voltar a ser um reinado que é muito melhor e acabar com essa esculhambação que o povo tá fazendo nas ruas de Santana das Pedras para me desmoralizar. Esta tal de democracia foi a maior burrage que já inventaram.

– Uai e pode, a lei permite, num sistema democrático, um prefeito acabar com a eleição e se declarar rei?

Perguntou outro assessor

O prefeito olhou de forma atravessada e sem esconder a raiva.

– Tem assessor que só serve para criar dificuldade para vender facilidade. Claro que pode! No Brasil tudo pode e aqui em Santana das Pedras pode muito mais ainda. Quem é que liga para um  lugarzinho desse perdido no fundo do sertão? Só nós mesmo que somos daqui. Chega de conversa. Vamos a ação. Mãos a obra. Prepare o decreto que vou assinar transformando Santana das Pedras em uma monarquia hereditária e vamos instalar o reinado imediatamente, Vamos acabar com a farra desses vândalos e baderneiros da esquerda que estão na rua protestando contra mim.   Onde já se viu uma esculhambação dessas por causa de um  atrasinho de salário besta deste? Quem é que num guenta ficar um ano  sem comer, sem pagar aluguel, sem pagar conta de luz, sem pagar água? Quem? Quem num guenta? Qualquer um guenta. Só esse povo aqui de Santana das Pedras que é cheio de nó pelas costas, metido a biscoito de sebo, por conta de  qualquer atrasinho de salário quer fazer protesto. Eta povinho mal acostumado. Eita povinho cheio de traminguichê. Mas vamos acabar com esse fuá urgentemente.  Eu agora vou me declarar rei e ninguém poderá falar mal de mim ou será condenado a morte na forca. Exatamente como acontecia antigamente.

E virando-se para a secretária Dona Cândida, ordenou.

– Ligue para os vereadores. Quero uma reunião de urgência com eles, menos o safado do João Rufino, aquele comunista miserável que   é contra mim. Eu tenho certeza que é ele que está liderando estas manifestações todas, promovendo esse fuá na cidade. A criação do reinado vai ser o fim de João Rufino e sua turma de desocupados da oposição. Vão ficar mais moído que cana de garapa. Ligue ai para os vereadores, dona Cândida, não me ouviu?

“Danou-se. O homem endoidou, ta batendo pino, agora quer virar rei. Será que esta loucura vai dar certo?” pensou dona Cândida, a secretária, enquanto ligava para os vereadores convocando para a reunião.

 

REUNIÃO COM OS VEREADORES

– Como assim, acabar com as eleições?

A interrogação foi feita por um dos vereadores enquanto os demais olhavam espantados  sem entender aquela maluquice do chefe do executivo municipal.

O prefeito, com as mãos cruzadas nas costas, caminhava pela sala e em um gesto quase professoral, explicava o seu plano.

– Veja bem meus caros vereadores, esse negócio de democracia só deu certo mesmo na Europa, aqui na América Latina e nos países subdesenvolvidos nunca deu certo. Olha ai a  situação do Brasil.  Esse é um pais que nunca deu certo e a culpada é essa tal de democracia. Se não fosse essa disgrama, esta misera, o Brasil era muito melhor. Assim sendo  nós vamos dar o exemplo ao mundo  e acabar a peste da democracia aqui em Santana das Pedras. Não teremos mais eleições e vamos transformar a cidade em um reinado. Já mandei fazer o decreto, tão me entendendo?

– Reinado?

Os vereadores falaram em coro estranhando o rumo da conversa.

-O senhor quer transformar Santana das Pedras em um reinado? É isso mesmo que nós estamos ouvindo?

–  Exatamente. Isso mesmo, Santana das Pedras será um reinado, uma monarquia. Vai ser bom para mim que vou ser declarado rei, investido de poderes divinos e poderei passar o poder para o meu filho que passará para o filho dele e assim sucessivamente. Tão me entendendo? E ai, com a criação do reinado de Santana das Pedras, não precisaremos mais de diabo de eleição e nem  de Câmara de Vereadores. Vocês sabem: no reinado quem manda é o rei e ponto final.

Diante da novidade, os vereadores reagiram

– E nós? Como é que ficamos sem câmara, sem mandato, vamos ficar no pau da goiaba, com cara de guaxinim da bunda pelada, sem salário, sem nada?

– Nada disso, apressou-se  o prefeito com um sorriso maroto no canto dos lábios. Vocês serão os maiores beneficiados  com a criação do reinado.

– Como assim? Quiseram saber os vereadores ainda tentando entender onde o prefeito queria chegar

– Olhe bem, vocês vão concordar comigo que o reinado é muito melhor. Veja bem: hoje em dia, com a peste da mizerenta da democracia, é obrigado ter eleição de quatro em quatro anos, num é assim?

– Isso mesmo – responderam os parlamentares.

-Vocês acham isso certo? Deixar o povo escolher quem vai governar? Eu nunca concordei com isso. Além do mais o povo tem que ser é governado num é escolher quem vai governar não. Num tá vendo que isso tá errado! Além do mais é muito desgastante eleição de quatro em quatro anos. Repare bem: hoje  eu sou prefeito, vocês são  vereadores, nós ganhamos  um bom salário, eu tenho carro oficial, verba de gabinete, empreiteiras que fazem o que eu quero,   juiz e promotor amigos, vocês que são vereadores tem casa alugada pela a prefeitura, tem gasolina de graça, tem os parentes  empregados, tem todos os privilégios mas… quando a gente perde a eleição o que acontece? …(O olhar do prefeito passeava de um a outro vereador). A gente perde tudo e não tem mais nada. Eu disse tudo. Num é verdade?O povo que dizia que nos amava, que nos era fiel, é o primeiro que nos abandona e debanda para o lado de quem ganhou. Num é mesmo? Juiz e promotor passa a nos tratar como se a gente fosse um qualquer, sem falar em outros aborrecimentos. Quando você perde a eleição  a vida vira um inferno, num é mesmo?

Os vereadores, mais que depressa, concordaram

– Nisso o senhor tá coberto de razão, quando se perde uma eleição, é um cabar de juízo, um trem medonho. Um potigongo. Até a mulher da gente quer nos largar.

O Prefeito continuou

Além disso,quando estamos no mandato somos obrigados a suportar  o povo na porta  de manhã, de tarde, de noite, sem dar sossego, pedindo bloco, telha, dentadura, remédio, passagem, pedindo para pagar conta de luz, de água, botijão de gás, pedindo emprego, é um cabar de juizo num buraco de socó. Num é mesmo?

– Isso é –  Tornaram a concordar os edis.

– Pois então vamos acabar com este sofrimento. Eu serei o rei e vocês deixarão de ser vereadores para ser os Nobres Conselheiros do Rei, o cargo é vitalício, vocês terão excelente salário, doarei terras, gados, boas casas para vocês e seus familiares  pois os Nobres Conselheiros do Rei terão que ser homens de posse, nobres fidalgos. Além disso, vocês ficarão no cargo até morrer e quando morrer o cargo será entregue a um filho seu e quando o seu filho morrer passará para o seu neto. Acabamos, de uma tacada só, com essa bestagem de eleição. Nunca mais vocês vão ter ninguém na porta pedindo para pagar conta disso e daquilo. Nunca mais vocês vão precisar pedir voto e nem fazer favor pra ninguém. Vão  ter a vida que pediram a Deus. É ou não é?  O que me dizem?

Os vereadores conversaram entre si, argumentaram que poderia haver problemas com a lei mas se o prefeito estava dizendo que podia é porque podia e pronto. Terminaram sendo convencidos pela lábia do prefeito e decidiram topar a empreitada confiantes de que naquele lugarejo a lei dificilmente dava as caras. Não se pode esquecer que  o negócio era altamente vantajoso para os vereadores. Com a cidade sendo transformada em um reinado, adeus gastar dinheiro com eleição de quatro em quatro anos, adeus medo de perder, tudo isso agora iria fazer parte do passado. Teriam poder enquanto vivos fossem.

–  Só quero lhes informar que tem uma condição para esta boa vida que vocês terão com a criação do reinado.

– Condição? Que condição? – os vereadores aguardaram com expectativa a resposta do prefeito.

–  Ninguém poderá criticar ou falar mal do rei. Quem for pego fazendo isso será acusado de traição, pratica de crime de lesa majestade e condenado a forca imediatamente. Certo?

– Perfeitamente – responderam os vereadores doidos para ficarem livre de eleições e do peditório do povo  – Senhor prefeito a quem em breve chamarei de majestade,  quem tiver todas essas benesses que o senhor está nos oferecendo e ainda falar mal do rei, tem que ser é enforcado mesmo. Sem pena, sem dó e sem misericórdia. E a família ainda tem que pagar a despesa para o cabra largar de ser ingrato.

Satisfeito, o prefeito prosseguiu

– Então, já que estamos entendidos e combinados, a partir de agora v amos preparar a instalação do reinado. Faremos uma belíssima cerimônia para minha coroação. Entrarei para a história como o primeiro rei de Santana das Pedras e vocês também entrarão para a história ao serem empossados nos cargos de  Nobres Conselheiros do Rei.

A REAÇÃO DO VEREADOR JOÃO RUFINO, LÍDER DA ESQUERDA

O vereador João Rufino chegou a Câmara Municipal,  pontualmente como fazia sempre,  para a sessão daquela quarta-feira mas estranhou que o prédio estivesse fechado faltando poucos minutos para o início da reunião. Chamou o zelador e perguntou o motivo do fechamento da Casa Legislativa de Santana das Pedras.

– Oxente e o senhor num tá sabendo?

– Sabendo de que?

– O prefeito mandou avisar que, dagora por diante, não existe mais Câmara de Vereador aqui em Santana das Pedras, não. Deu a orde que é promode acabar com essa burrage de Câmara de Vereador.

_ Oxente. Ele endoidou foi? Que ele é um ditador a gente sabe. Só que prefeito num tem poder de fechar a Câmara não. Só se ele tiver transformado isso em uma ditadura escancarada.

– Essa tar de ditadura eu num sei o que é. Mas vi dizer que agora Santana das Pedras vai ser um reinado e que o prefeito vai ser declarado o primeiro rei da cidade num sabe? Diz que vai ser uma festança grande de botar caboge pela janela.

João Rufino quase perde a fala

– Vai ter o que? Rei? Aqui em Santana das Pedras? Rei? O prefeito tá ruim da bola, tá zoró da ideia. Isso é ilegal, é inconstitucional, não existe reinado no Brasil. Eu num tô acreditando num troço desse. Esse prefeito passou dos limites, vou denunciar em Brasília. Isso é uma grave afronta a constituição nacional. Era só o que me faltava, quando mais eu rezo mais assombração aparece. É cada coisa que contando ninguém acredita. Esse prefeito tá pensando que beiço de jegue é arroz doce, tá conversando miolo de pote.

Com a cara enfezada, João Rufino entra no seu carro, dá a partida e sai queimando pneus.

O zelador da Câmara vê o carro sair em alta velocidade, sacode a cabeça e pensa

– Home quá. É mior mermo fechar essa tar desta Câmara de Vereador. Ninguém sabe pra que selve essa bubônica da bexiga, essa gota serena. Os cabras num faz nada, sá fala ingrisia, bolodório, só bebe água, toma cafezinho, come o dinheiro público e cumpre as orde do prefeito. Se fechar essa bubônica dessa Câmara ninguém vai sentir farta e ainda vai economizar dinheiro público. O prefeito tá certim em fechar essa peste cacete armado. Eu sou de acordo. Home se sou, cê num tá vendo que um trem desse num pode.

OS PREPARATIVOS PARA A IMPLANTAÇÃO DO REINADO EM SANTANA DAS PEDRAS

No gabinete o prefeito e a secretária Dona Cândida tomavam as providências para a instalação do reinado em Santana das Pedras.

– Olhe dona Cândida vamos cuidar de todos os detalhes com muita atenção. Vamos chamar os lideres religiosos de todas as religiões, todas, entendeu bem?

– Sim senhor prefeito, quer dizer: majestade.

-Quero que eles façam a minha coroação em um culto ecumênico do mais alto nível.  Depois eu receberei os cumprimentos no salão nobre e darei posse aos Nobres Conselheiros do Rei.

– E a roupa senhor prefeito? Quer dizer, Vossa Majestade, como será feita?

– Mande chamar Rosa de compadre Neco que é a melhor costureira daqui. Quero uma roupa no estilo dos reis franceses, parecido com o Rei Sol. A coroa e o cetro mande fazer no ourives Pedro de Lera que é caprichoso.

– E o trono, Vossa Majestade, quem vai fazer?

– Mande na carpintaria de Chico Bomba. Diga ele que capriche que trono de rei tem que ser trem luxento, de muito luxo e de muita catilogência. Tá me entendendo?

– Sim, majestade.

– No tocante as comidas Dona Cândida, mande fazer só comida de rico, essas comidas   de nome acazumbado, frescurento,  loxicoloso que a  gente nem consegue falar, é desta comida  que tem que ter pois um reinado só é reinado de verdade se tiver comida estrangeira que ninguém sabe o que é, ninguém gosta mas todo mundo sai falando bem pra demonstrar que é sabido. Sabe como é: todo besta gosta de demonstrar que é sabido mesmo todo mundo sabendo que o sabido é besta.

– Certo, Majestade, pode confiar que vou seguir a risca suas orientações

– Pois muito bem. Num é preciso lhe advertir que não pode ter buchada, sarapatel, feijoada, mocotó, essas comidas de pobre num pode ter em solenidade de implantação do reinado de Santana das Pedras. Tem que ser comida de responsabilidade. Trem luxento como eu já disse.

– Entendi Majestade. E quando a música majestade? Pode ser aquela dupla sertaneja que o senhor gosta?

– Tá doida dona Cândida. Onde a senhora já viu dizer que em implantação de uma coisa séria como um reinado se toca música sertaneja? Eu quero uma grande orquestra, mande contratar em São Paulo ou no Rio de Janeiro e não me venha com negócio de samba, nem de forró, e nem de axé ou pagode. Nada disso. Tem que ser uma orquestra tocando música chique e de responsabilidade para todo mundo ver que o nosso reinado começou em grande estilo como o Rei Midas, ou o Rei Sol, ou  Cesar o grande imperador romano. Tem que ser coisa deste calibre, desta catilogência, a senhora captou bem?

– Sim majestade

– Pois muito bem, agora pode ir tomar os providenciamentos  para que tudo saia como eu estou planejando.

A secretária  fez uma reverência curvando o corpo e, em seguida, rodou nos calcanhares e  se retirou.

O prefeito está novamente no gabinete cercado pelos vereadores ou Nobres Conselheiros do Rei, como serão chamados assim que forem empossados oficialmente na solenidade de instalação do reinado.

Um dos vereadores, pede a palavra e faz algumas considerações

– Senhor prefeito, que em breve terei a honra de chamar de Vossa Majestade, precisa tomar os devidos providenciamentos para que as religiões de Santana das Pedras aceitem transformar o município em um reinado. Isso é muito importante. É coisa da mais alta catilogência.  Se as religiões não concordarem nada feito. Babau reinado. Religião quando pega no pé de governante num tem santo que dê jeito. É tiro e queda. Portanto, a próxima estratégia que o senhor deve adotar é reunir as religiões e utilizar toda a sua filormenagem de convencimento para que as religiões abracem essa causa e apoiem a criação do reinado com todo regojizo e remulengo.

O prefeito passa a mão no rosto, ajeita se na cadeira, toma um gole de café, come um pedaço de brividade e umas petas de Cristópolis e diz que já tinha pensado no assunto.

– Meu Nobre Conselheiro do Rei, eu ontem a noite conversando com minha esposa, a Rainha de Santana das Pedras e com o meu filho o príncipe herdeiro, cheguei a mesma conclusão que você. Por conta disso já marquei uma reunião com o principal líder religioso e mais 20 outros  de nossa cidade. Pode deixar que eu saberei como ganhá-los para a nossa causa. Tutano e ribisofeia é o que não me faltam na moleira.

– Isso eu sei majestade mas me satisfaça uma curiosidade, quais os argumentos o senhor vai utilizar? Podemos saber?

– Vou utilizar um argumento que não falha de jeito nenhum. É ziriguidum na requenguela. Dimdim, cascalho, La Plata. Os senhores sabem: dinheiro faz defunto sorri.  É ou não é?

– Disso não se tem dúvida, disseram os vereadores.

CONVERSA COM O PRIMEIRO LÍDER RELIGIOSO

O líder religioso olhou espantado para o prefeito.

– Como é o negócio? O senhor vai transformar Santana das Pedras em um reinado? É isso mesmo seu prefeito ou eu estou ficando doido?

O prefeito mastigou um ginete, tomou um refresco de maracujá do mato e, calmamente, explicou.

– Exatamente. Exatamente.

-Mas isso é ilegal. Não existe reinado no Brasil. A Justiça não vai permitir um absurdo desse

O prefeito manteve a calma e rebateu

-O senhor sabe que justiça e a lei aqui em Santana das Pedras não passam de ficção. É igual alma do outro mundo. Todo mundo diz que existe mas ninguém vê.

-Mas isso não pode – exasperou-se o religioso

Sem se alterar o prefeito se contrapôs

– Ora  tem muita coisa que não podia existir, inclusive na sua religião , o senhor sabe muito bem do que estou falando. Além disso, o senhor sabe também que aqui no Brasil tudo pode num é mesmo?

– Como assim, tudo pode? A lei tem que ser respeitada.  É ou não é?

-Tem que ser respeitada quando é com os outros num é mesmo meu bom líder? Por exemplo, tem religioso por ai que tem mulher e filhos e a igreja nem sonha com um pecado mortal desse. Se chegar ao conhecimento  das autoridades, esse líder religioso sem compostura, pode ser expulso do seu cargo e virar um zé rola bosta qualquer sem eira nem beira.  Num é isso meu bom homem?

O religioso gelou. Será que o miserável do prefeito descobrira o segredo que ele julgava guardar as sete chaves? Se o negócio viesse a tona seria um escândalo e sua vida estaria acabada.

Percebendo o nervosismo do religioso, o prefeito botou água na fervura.

– Mas pode ficar tranquilo  meu bom homem que segredo é coisa pra ser guardado e muito bem guardado. Não precisa ter medo. Agora voltando ao nosso assunto, eu preciso do seu apoio para a implantação do reinado em Santana das Pedras. O senhor – que tem fama de bom orador, que sabe convencer as massas, me faça o favor de nas suas pregações, utilizar a sua catilogência para fazer os povo entender que essa tal de democracia é coisa do demônio, é trem do satanás. Diga que o que foi deixado pelo todo poderoso, desde o inicio dos tempos, foi o reinado. O senhor pode até argumentar que no livro sagrado aparece a palavra REI por diversas vezes, mas a palavra DEMOCRACIA não tem. Em lugar nenhum. Pode olhar de ponta a ponta.  Logo a democracia é uma coisa satânica. Coisa do rabudo, do canguento, do zumbraico, do sujo. Se o senhor usar estes bolodórios, fica fácil, fácil convencer o povo. É mamão com açúcar na boca de dona Cota. Concorda meu velho amigo?

O religioso ficou em silencio, depois, mesmo cheio de cautela argumentou

– Prefeito o senhor sabe que a nossa missão é lutar para que os mais pobres vivam com dignidades. Precisamos pensar em leis que deem melhores condições de vida aos pobres que sofrem tanto e não tem a quem recorrer.

O prefeito atravessou a fala do líder religioso

– Olha, esse negócio de falar em dignidade para os mais pobres é balela. O senhor sabe bem disso. No mundo todo quem faz as leis são os ricos.Num é mesmo? O senhor já viu algum pobre fazendo lei? Já viu? Nem é preciso responder num é mesmo? Então o senhor acha mesmo, que os mais ricos vão fazer leis para beneficiar os mais pobres? Bote na sua cabeça uma coisa: os mais ricos não querem perder os privilégios que tem. Nem agora e nem nunca.  Nós ricos queremos mesmo é que os pobres trabalharem para nós e, se possível de graça, até arrancar o coro, sem ter direito, a não ser o direito de pagar impostos que, no final das contas, voltam para os nos nossos bolsos. O senhor acha que nós aqui no Brasil vamos perder uma mamata destas? Me digue? Pergunte a um rico se ele quer mudar isso? Duvido. Além disso, meu bom homem, pobre acredita em tudo. É um povo fácil de manipular. É por isso que eu lhe peço: fique do meu lado. Eu serei declarado rei e o senhor sabe, o rei é quem manda em tudo, falou tá falado. Palavra de rei não volta atrás. Então vamos deixar de lado esse bolodório, esse ronca besouro e falar no que realmente interessa, ou seja: as vantagens que o senhor terá se apoiar o reinado. Vou lhe pagar um salário alto por mês, que fica só entre nós dois, ninguém precisa saber de nada. Você vai ser um homem rico, muito rico. Além disso, vou construir um templo  de respeito no centro da cidade e o senhor terá muito poder, será uma alta autoridade do reinado, fará parte do meu Conselho Religioso junto com os demais religiosos da cidade. O senhor concorda?

– E se eu não concordar?

– Ai eu vou lamentar muito por perder um amigo da sua catilogência e do seu estupor. O senhor sabe que meu serviço secreto é eficiente. Tem agente secreto nosso que foi treinado nos Estados Unidos. Então o senhor deve concluir que nada acontece nesta cidade sem que chegue ao  meu conhecimento. Sei que o senhor não gostaria de que o seu nome caísse na lama como  reprodutor, seduzidor de moça inocentes. Tô Certo?

O senhor é meu amigo e eu não gostaria de chegar a um extremo deste. A não ser que o senhor me obrigue a tomar esta atitude que muito me desagradaria. Seria um motivo de grande contrariedade para mim. Como tenho bom coração, posso esquecer isso tudo se o senhor apoiar a criação do reinado. Eu lhe dou minha palavra que tudo ficará entre nós e sua vida secreta não se tornará pública e ainda lhe dou garantia de que e se alguém tocar neste assunto será preso sem direito a defesa e enforcado em praça pública.

Diante de argumentos tão convincentes  o homem capitulou e aceitou a oferta do prefeito e já foi mudando o discurso, falando aquilo que o prefeito queria ouvir.

 

– É seu prefeito, quer dizer, Majestade, o senhor tem toda razão. Democracia é coisa do demônio. É invenção do satanás. Bom mesmo é o reinado. Abençoado seja o reinado.  Vamos consagrar Santana das Pedras em um reinado e o senhor será ungido rei e eu terei a suprema honra de coroá-lo.

O prefeito levantou-se da mesa e veio na direção do homem

– Venha de lá um abraço, eu sabia que o senhor iria entender este meu gesto em defesa da família e dos bons costumes de Santana das Pedras.

 

REUNIÃO COM OS OUTROS LÍDERES RELIGIOSOS

No gabinete sentados em forma de semicírculo em volta da mesa estão os  20 lideres religiosos.

O prefeito explica que quer transformar Santana das Pedras em um reinado e que os lideres,  formarão o Conselho Religioso, o cargo será vitalício e todos serão muito bem remunerados e não precisarão prestar contas do dinheiro que receberem. Além disso, o prefeito se comprometeu em construir em cada ponto da cidade  templos luxuosos  para atrair o povo. Todos  concordaram e imediatamente marcaram vigílias de convencimento dos fieis de que o reinado era a forma de governo deixada pelo criador, tanto é que o livro sagrado, por diversas vezes falava em rei, tendo inclusive o Livro dos Reis. “Isso prova que a democracia é coisa do demônio e que nós precisamos acabar com isso. Quem quiser o bem do povo, quem quiser vida melhor, quem quiser preservar a família e os bons costumes, quem quiser salvar sua alma tem que apoiar o reinado e o nosso rei. Só o povo da esquerda é que deve ficar contra pois estes só falam em direitos iguais, liberdade de expressão e outras abobrices que não estão no livro sagrado”. Este era o lema pregado  na cidade de Santana das Pedras.

O prefeito também orientou  a respeito da  doutrina que seria ensinada  nas escolas.  “Vou instituir, a partir de agora  será ensinado nas escolas que nunca existiu teoria da evolução, que homem não veio de macaco, nem de cobra, nem de sapo, nem de caxinguelê. Esta teoria é furada. Eu nunca vi aqui no sertão em todos esses meus anos de vida um bode evoluir para ser boi, ou jegue evoluir e virar elefante, nunca vi falar que um urubu se transformasse em galinha, como é que me vem um cientista maluco e me inventa que o homem veio do macaco? Ora num tá vendo que isso num tem a menor lógica? O cabra que inventou essa teoria era um grangolino, um bode bidia, um possuido pelo demônio. Só pode. Boa coisa é que não era para inventar um patacuê desse. Então fica decidido, através de ordem do rei, que nas escolas as crianças não vão mais aprender estas cambelagens do resfolego. Quem não concordar será considerado herege e excomungado e banido de Santana das Pedras. Certo?

_ Muito bem majestade, aplaudiram os líderes.

REI DE SANTANA DAS PEDRAS DETERMINA QUE A TERRA É QUADRADA

– E tem mais – continuou o rei – nas escolas também será ensinado  que esta peste, essa miséria que botaram o nome de democracia é coisa do satanás. do sujo, do rabudo, do opositor de Deus. Quem insistir com esta história de democracia também será considerado herege e será excomungado. Outra coisa que quero deixar bem claro para que não haja nenhuma dúvida, segundo um sonho que eu tive com o rei Herodes ele me dizia que esse negócio que a ciência afirma que a terra é redonda é presepada de quem não tem o que fazer e fica tentando enganar os outros com esses bolodórios e essas catilogências.

_ O Senhor sonhou com o rei Heródes? Perguntaram os líderes sem conter o espanto.

– Sim, respondeu o rei, ele me disse que  a terra não é redonda e nem plana coisíssima nenhuma. E pediu que eu desfizesse essa dúvida imediatamente. Na verdade ele me deu essa missão.

– E o rei Herodes disse qual é o formato da terra majestade?

– Disse sim. Ele me afirmou que com todas as letras que a terra é quadrada. Quadrada! entenderam bem? Por causa desta informação que o rei Herodes me deu, os professores terão que ensinar nas escolas, a partir de agora, que a terra é quadrada e quem se recusar a ensinar que a terra é quadrada será preso por desobediência as ordens do rei.

Os líderes  olharam uns para os outros surpresos. Já tinham ouvido diversas  teorias sobre o assunto. A ciência afirmava e reafirmava que a terra era redonda, mas havia quem contestasse dizendo que a terra era oca e por fim, ultimamente,   algumas pessoas acreditavam que a terra era plana, mas mesmo com todas essas polêmicas, os líderes religiosos estavam surpresos. Nunca ouviram dizer que a terra era quadrada. Era a primeira vez que ouviam aquele disparate mas se o rei estava afirmando quem eram eles para contestar.

– Tá certo majestade, então a partir de hoje, pode ficar tranquilo que nas escolas  os professores vão ensinar que a terra é quadrada. E nós também vamos dizer ao povo que a terra é quadrada. Esteja certo disso. Se vossa majestade diz que a terra é quadrada, é porque é quadrada mesmo e pronto e ai de quem duvidar.

– Exatamente. A terra é quadrada. Igual um dado.

– Perfeitamente majestade, suas ordens serão atendidas

Com essas instruções os líderes  entraram em campo e utilizavam fortes argumentos para convencer a população que a democracia era coisa do satanás, que teoria da evolução também era coisa do satanás e que a terra era quadrada. Com  menos de um mês o povo de Santana das Pedras estava todo convencido que a terra era quadrada, e que o melhor era acabar com a democracia,  instalar o reinado. Quem discordasse destas verdades era obrigado a ficar calado para não ser hostilizado ou ser considerado indigno de viver naquela cidade.

No final daquela tarde, dona Cândida, a secretária, entra no gabinete.

– Seu prefeito, seu prefeito, quer dizer Vossa Majestade, tive uma ideia para legitimar de vez o reinado sem que ninguém possa contestar ou criticar.

O prefeito encarou a secretária e perguntou

– Então diga. Qual foi a ideia?

– Vamos fazer um plebiscito

– Plebiscito e para que?

– Para que fique demonstrado que o povo aprovou por maioria absoluta o reinado. Isso vai ser fácil com a pregação que vem sendo feita pelos líderes, toda população passou a ser a favor do reinado. Vai ser uma vitória esmagadora e ninguém poderá contestar nem mesmo o seu adversário, o João Rufino e o povo das esquerdas. Vão ficar tudo de quengo mole, que nem jacu baleado quem nem jegue quando toma um fora da jega e sai desesperado na caatinga. Vão ficar com cara de jenipapo de fim de feira.

O prefeito se entusiasma com a ideia

– Porreta dona Cândida, gostei desta sua iniciativa. Tome os providenciamentos com todos os bolodórios e os remulengos para fazermos este plebiscito o mais rápido possível.

No seu escritório, o vereador João Rufino, com a tensão estampada no semblante, consultava os seus assessores na tentativa de encontrar uma forma de impedir o prefeito de transformar Santana das Pedras em  um reinado.

– Onde já se viu um negócio desses? Precisamos informar as autoridades em Brasília, entrar com uma ação na ONU, recorrer aos organismos internacionais na Europa. Não podemos permitir que este prefeito, faça uma maluquice dessa. Isso é inconstitucional! Não pode! não pode! Não podemos aceitar esse retrocesso e nem passar por uma vergonha dessa. Se bem que, o que está acontecendo no Brasil, hoje em dia, incentiva qualquer maluco a tomar qualquer atitude, desde defender o nazismo, a intolerância, o preconceito e até mesmo, veja só que descalabro,  inclusive, declarar-se rei. Como é que pode uma coisa dessas? Um prefeito de uma cidadezinha do interior, declarar-se Rei e todos tem que aceitar e bater continência para um maluco desse! Como é que pode um negócio desses? Isso é o fim do mundo. Eu não aceito isso e vou colocar a minha vida em defesa da democracia e do estado democrático de direito.

Exasperado, João Rufino não se continha tamanha era sua indignação. Em toda a sua vida de líder oposicionista,  já acompanhara muitas situações inusitadas mas jamais passara pela sua cabeça que um dia um prefeito tivesse a ousadia de se declarar rei passando como um rolo compressor por cima da Constituição e do estado democrático de direito.

-Calma João, diziam os assessores, trazendo um copo de água com açudar para o líder esquerdista. Assim você vai ter um ataque do coração.

Os assessores  do vereador fingiam calma mas era uma tática para acalmar o chefe. Eles também estavam perplexos com a atitude do chefe do executivo municipal e, jamais haviam imaginados que o prefeito fosse capaz de golpe tão ousado.

– Ele percebeu que poderia ser cassado, tá fazendo uma péssima administração,. Tá com um ano de salários atrasados e deu esse golpe para salvar seu mandato – disse um assessor e completou em seguida:

– É João temos que manter a calma para não perdemos o controle e não entrarmos no jogo dele mas temos que admitir que a coisa ficou feia para nós. O prefeito soube armar a treita. O bicho é craque em vissunagem. O povo tava revoltado, fazendo greve, pedindo a renuncia dele e ele, numa tacada que ninguém esperava,  virou o jogo, ao propor a criação deste tal de reinado aqui em Santana das Pedras em pleno século vinte e um. Santana das Pedras voltou para a idade média.

João Rufino tomou um gole dágua e sem conter a raiva vociferou

– Santana das Pedras não voltou para a idade média, não. Na verdade nunca saiu da idade média. Este prefeito é um símbolo do atraso, nem celular que em todo lugar do mundo tem aqui ainda não tem. Aqui não pega celular. Nem celular, imagine então médico, remédio, escola, salário em dia. O miserável do prefeito ia ser cassado pelo povo e agora me inventa essa história de reinado. Isso é um desrespeito a república brasileira. Eu vou tomar todas as providências para que essa loucura não aconteça aqui em Santana das Pedras. Vou as últimas consequências para impedir esse absurdo.

O assessor deu uma notícia para João Rufino

– Você tá sabendo que o prefeito tá organizando um plebiscito para a população votar se é a favor da  democracia ou do reinado?

– É mesmo? Um plebiscito? Essa é nossa chance. Vamos agora mesmo para a rua dizer ao povo que vote contra, que a democracia não pode acabar, que a democracia é que garante o direito de todos, vamos dizer ao povo que democracia corre perigo, vamos colocar carro de som nas ruas, distribuir panfletos,  discursar nas praças, reunir multidões, fazer um chamamento forte  e o povo entenderá o golpe que o prefeito quer dar e ficará do nosso lado. Do lado da democracia. Tenho certeza disso.

O assessor sacudiu a cabeça, desanimado.

– Não adianta João. O prefeito é mais cheio de vissunagem do que a gente pensa, é o homem mais treiteiro do Brasil. Já comprou as lideranças religiosas, comprou os  vereadores e, todos eles juntos, fizeram a cabeça do povo de Santana das Pedras de tal forma que não tem mais quem mude o voto deles. Botaram na cabeça do povo que a democracia é coisa do demônio, que é invenção do satanás e que o reinado foi Deus que deixou, disseram até que  na Bíblia fala em reinado mas não fala em democracia. Eles aproveitaram que a população é muito religiosa e fizeram uma lavagem cerebral no povo. Num tem mais volta, o reinado vai ganhar de goleada. Devemos fazer a nossa autocrítica e admitirmos que comentemos um erro estratégico da mais alta gravidade: nos afastamos muito da religião, demos pouca importância ao povo religioso e o prefeito, percebendo essa nossa falha, aproveitou a brecha, disse o que eles queriam ouvir e consegui rapidamente a adesão de todos eles.

João Rufino ficou em silêncio por alguns minutos, refletindo sobre as palavras do assessor, suspirou profundamente, passou a mão na barba e depois fez a seguinte proposta:

– Então vamos entrar na Justiça, Vamos impedir, por via judicial que o reinado seja instalado. A Constituição da República não permite reinado no Brasil. Vamos pra cima deles.

Mal terminou de falar e seu entusiasmo foi cortado por um assessor. Com uma caneca de café na mão ele fez uma previsão sombria.

-Também num vai adiantar nada entrar na Justiça. É pura perda de tempo. Juiz, promotor, advogado, oficial de justiça, já foram todos cooptados e vão fazer vistas grossas e deixar o reinado ser implantado aqui nas barbas deles. Para essa gente o que interessa é dinheiro no bolso, você não viu o que aconteceu com a operação Faroeste lá em Formosa do Rio Preto? Então? Meta na sua cabeça, meu amigo, no judiciário tem gente séria e honesta mas também tem aqueles que comem bola, dinheiro, arame, tá me entendendo?  E isso o prefeito deve ter dado de sobra para eles. Tão todos ricos e aqui para o seu governo, já se declararam súditos do rei. Juraram lealdade eterna.

João Rufino rebateu

– Pois você fique certo de uma coisa: se tiver um único homem digno em Santana das Pedras que não se rende a este prefeito crápula, este homem sou eu. Vou a Justiça e o juiz terá que dizer na minha cara que ele vai aceitar que o prefeito pratique tal absurdo.

 

O PLEBISCITO

No dia do plebiscito, Santana das Pedras parecia mergulhada em uma grande festa. A multidão caminhava para as urnas. Os bares estavam apinhados de gente. Ao arrepio da lei, o prefeito mandou liberar cachaça para quem quisesse encher os cornos. Nas esquinas o espetinho corria solto deixando o delicioso cheiro no ar. O povo estava enlouquecido nas ruas e a todo momento se ouvia os gritos vindo de todos os lados.

ABAIXO A DEMOCRACIA

DEMOCRACIA É COISA DO DEMÔNIO

DEMOCRACIA TIRA O DIREITO DOS MAIS POBRES

DEMOCRACIA É CONTRA O POVO

DEMOCRACIA FOI INVENTADA PELO SANTANÁS

QUEREMOS O REINADO

PESSOAS DE BEM APOIAM O REINADO

VIVA O REI

No dia seguinte, feita a apuração dos votos. 90 por cento da população votou a favor do reinado.

Na prefeitura, o prefeito e seus aliados comemoravam. Fogos pipocavam para todos os lados e por toda a noite se ouvia berros de VIVA O REI, VIVA O REINADO, MORTE A DEMOCRACIA, FORA DEMÔNIO, FORA SANTANÁS. MORTE A ESQUERDA.

 

O PREFEITO E A SECRETÁRIA COMEMORAVAM A VITÓRIA

Com um largo sorriso no rosto, descontraído, feliz da vida, o prefeito conversava com a secretária.

– Dona Cândida demos um golpe de mestre. Agora a oposição num vai ter nem do que reclamar. O povo votou e escolheu o reinado. Que vitória esmagadora. Essa foi para tirar João Rufino e sua turma do ramo. Foi pra enterrar de vez a oposição.

– É verdade seu prefeito, quer dizer majestade, o reinado foi legitimado pelo povo. Num adianta a oposição fazer fuá. Alias o melhor disso tudo é que a partir de agora com o reinado legitimado pelo povo, acaba a oposição. O senhor vai ser rei e quem falar mal do rei será condenado a morte e enforcado em praça pública. Não é assim majestade?

– Isso mesmo dona Cândida, tomaremos todos os providenciamentos para que se cumpra este postulado do reinado. E cá pra nós viu dona Cândida, vou mexer os pauzinhos e fazer uma vissunagem daquelas para que o primeiro a ser enforcado seja o vereador João Rufino.

– Oxente majestade, mas até agora ele tá calado. Num disse nada.

– É verdade. Mas se ele tá calado é porque boa coisa ele não anda fazendo. Logo, logo ele começa a fazer critica. A senhora sabe que esse povo da esquerda é desaforento que só vendo. Só que agora nós estaremos num reinado e eu mando ele pra forca na primeira critica que ele me fizer.

A secretaria tinha grande ascendência sobre o prefeito. Corria, inclusive, o boato de que os dois mantinham um romance secreto coisa que, se for verdade, saberemos mais para frente e no momento certo. Por enquanto tudo não passa de fofoca e, como se sabe, não se pode dar crédito a fofoca envolvendo o nome do rei. Quem fizer isso pode terminar seus dias pendurado em uma forca em praça pública. De qualquer forma sabe-se também  que a primeira dama odiava a secretaria e mal se falavam protocolarmente.

JOÃO RUFINO SE REÚNE COM O JUIZ DE SANTANA DAS PEDRAS E APELA PARA QUE O REINADO NÃO SEJA IMPLANTADO NA CIDADE

– Meretíssimo, eu vim aqui suplicar a vossa excelência que acabe com essa palhaçada de criação de reinado em Santana das Pedras. Onde já se viu um negócio desses? Isso é inconstitucional. Não existe reinado no Brasil, nos vamos virar motivo de chacota na mídia.

O juiz mexeu nos óculos e com um sorriso irônico retrucou

– Que mídia vereador? Que Midia? Qual é a mídia de que dá importância para Santana das Pedras, me digue? Ninguém vai ficar sabendo disso e, (fez um pausa) … se souber não vão dar a menor pelota.

– Mas meretissimo, isso é uma afronta a constituição, o senhor vai assistir a implantação de uma ditadura em uma cidade do sertão baiano?

– Ditadura? Que Ditadura? Do que você está falando? Não tô lhe entendendo.

– Uma monarquia é um regime absolutista onde quem manda é o rei, portanto é uma ditadura.

O juiz ergue a mão como quem diz “alto lá”

– Não é bem assim. O povo escolheu de forma democrática. Não se esqueça que 90 por cento da população de Santana das Pedras votou a favor da criação do reinado. Ou seja: foi uma escolha democrática. Está dentro da lei, então a Justiça está de pés e mãos atadas e não pode fazer nada.

– Mas teve corrupção para aprovação do reinado

O juiz olhou enviesado para João Rufino e perguntou

– Teve corrupção é? Foi? Então me explique como foi para eu tomar as providências.

– O prefeito comprou os líderes religiosos e os vereadores para que eles fizessem a cabeça do povo. Chegaram a dizer que a democracia foi criada pelo  demônio e que o reinado foi inventado por Deus, utilizaram até a Bíblia para disseminar esta mentira. Isso é uma afronta.

– Bom você tá fazendo uma acusação grave. O ônus da prova é de quem acusa. Apresente as provas de que houve corrupção e a justiça de modo imparcial e célere tomara todas as providências. Tem as provas? Mostre-me por favor. Eu quero ver para tomar as providências.

O juiz falava de forma grave e severa. João Rufino foi obrigado a admitir

– Provas eu não tenho mais é isso   que se ouve falar a boca pequena na cidade.

O juiz fez uma advertência

– O senhor é um homem público e sabe que fofoca não serve de prova de nada. Quero lhe chamar atenção para um detalhe que está lhe passando desapercebido. O reinado vai ser oficializado e o prefeito será declarado rei.

– Isso é ridículo – rebateu João Rufino

– Ridículo ou não   – continuou o juiz – devo lhe advertir que em um reinado não se pode falar mal do rei, quem assim proceder incorre no crime de lesa majestade e poderá ser condenado a morte e enforcado em praça pública. Essa é a lei em qualquer reinado.

Indignado João Rufino cuspiu fogo

– Meretissimo, o senhor se esqueceu que estamos no Brasil e no Brasil não há pena de morte. Ou o senhor se esqueceu disso?

– Não me esqueci não meu caro vereador. Só que aqui em Santana das Pedras entraremos em um regime especial de legislação da monarquia. Portanto tenha muito cuidado com o que vai falar sobre o rei ou o senhor pode ser o primeiro a ter uma corda no pescoço em praça pública.

– Isso é uma ameaça?

– Não. De forma nenhuma. É um aviso de um amigo. E só para lhe provar que sou seu amigo e lhe quero bem, vou fingir que não ouvir você fazer estas pesadas acusações contra o rei e fica o dito pelo não dito. Mas não conte muito com a sorte. Da próxima vez posso não ser tão bondoso como estou sendo hoje. Agora com licença fui convidado para ajudar a redigir o histórico decreto que transforma Santana das Pedras em um reinado e tenho que me juntar a outra comissão de notáveis para preparamos esta peça tão importante para nossa cidade. Com a sua licença por favor. Passar bem.

João Rufino se retira com a sensação de que o realismo fantástico se instalara em Santana das Pedras. Chegou a imaginar que estava sonhando e que logo, logo aquele pesadelo passaria. Qual nada! O prefeito dera o golpe certo e colocara no mesmo pacote Justiça, Religião, Vereadores e sabe-se lá mais quem. Agora João Rufino precisava  ter muita sagacidade para tentar reverter o quadro e fazer a democracia voltar a vigorar em Santana das Pedras. Mas como? Eis a questão.

Como não poderia deixar de ser a instalação do reinado foi uma acontecimento histórico em Santana das Pedras. Segundo o prefeito, um movimento cívico jamais visto em qualquer lugar do mundo. O dia amanheceu com a população sendo acordada por uma queima de fogos mais forte do que a da virada do ano no Rio de Janeiro. Depois uma banda de música, vestida a caráter, percorreu as ruas e praças. Escolas desfilaram na principal avenida recebendo os aplausos da população. Detalhe: os alunos e professores usavam roupas como as que eram usadas no século 18. O clima era de alegria. No Salão Nobre da Prefeitura, exatamente as  9 horas da manhã, foi feita leitura do decreto que mudava o regime de democracia representativa para uma monarquia hereditária. O decreto foi lido pelo juiz da cidade e dizia o seguinte:

Pelo presente decreto fica o município de Santana das Pedras elevado a categoria de Reinado de Santana das Pedras.

Art 1 – O prefeito passa a ser o Rei de Santana das Pedras sendo autoridade suprema outorgada pelo criador.

Art 2 -Ninguém poderá contestar e nem criticar o rei. Quem assim proceder será enforcado em praça pública e a família pagará a despesa da execução

Art 3 – Todos os cidadãos e cidadãs de Santana das Pedras, doravante denominados súditos de vossa majestade, pagarão tributo ao rei para manutenção das despesas do palácio. Aquele que se recusar será enforcado em praça pública.

Art 4 –  O Rei declara que a terra é quadrada e todos seguirão esta verdade.

Art 5- Fica determinada também a excomunhão daqueles que não seguirem os preceitos religiosos. Os que forem excomungados não poderão comprar no comércio, ter conta em banco, almoçar em restaurante, frequentar lugares públicos, todos os bens lhes serão tirados e nem pode conversar com qualquer pessoa ainda que seja da família. Quem ajudar um excomungado será considerado cúmplice e sofrerá as mesmas penas.

Art 6 – Homem casa com mulher. Mulher casa com homem. Qualquer outra forma de união será considerada alta traição e tentativa de desmoralizar o reinado. Os culpados serão enforcados.

Art 7 – A família e a amada pátria de Santana das Pedras estarão acima de tudo

Art -8 – Fica decretado que a democracia é coisa do demônio e que esta palavra fica para sempre banida do reino de Santana das Pedras.

Art 9 – A ciência para nós tem o mesmo valor de um jegue

Art 10 – O homem não veio do macaco, nem do sapo, nem do bode, nem do caxinguelê. Quem discordar será condenado a morte.

Art – 11 – Os praticantes de religiões diferentes, os adoradores de outros deuses e os ateus passarão por um sistema de conversão. Os que não se converterem serão lançados na cadeia sem misericórdia.

Art – 12 – Quem for de esquerda será banido do reino para não contaminar os demais súditos de sua majestade

Art -13 – Nosso Rei será chamado de Carlos, o bondoso, por ter um coração justo e piedoso

Feita a leitura, palmas explodiram no salão nobre

 

A coroação do rei foi uma cerimônia marcada pela emoção. Os lideres religiosos tiveram a honrosa incumbência  de coroar o monarca sertanejo. Como se fosse jogadores de futebol erguendo uma taça, eles ergueram a coroa e a colocaram na cabeça do soberano, em seguida botaram sobre os  ombros do rei um manto que ia até a altura dos joelhos e pronunciaram as seguintes palavras.

“Em nome do altíssimo e investido dos poderes divinos, sendo o representante de Deus em Santana das Pedras, fica coroado o primeiro rei desta cidade, cujo nome de agora por diante será chamado de Rei Calos I, cuja autoridade não pode ser contestada e cujas ordens devem ser obedecidas sem qualquer questionamento, sendo ele a lei e a ordem desta cidade de Santana das Pedras.”

A orquestra rufou os tambores.

Na sequencia também foi corada a Rainha, dona Laura, a clementíssima  feitas todas as honrarias ao príncipe herdeiro Eduardinho.  O rei ocupou o trono e ao seu lado sentaram a rainha e o príncipe herdeiro. Há quem tenha visto no olhar de dona Cândida, a secretária, uma ponta de ciume da primeira dama. Mas isso é só conversa do povo e não vale a pena levar pra frente estas fofocas envolvendo sua majestade.

Terminada a coroação, o rei procedeu,  o seu primeiro discurso

– Este é um momento histórico na vida de Santana das Pedras. Nossa cidade, a partir deste momento, abandona definitivamente aquele regime produzido pele demônio, chamado democracia, acaba com eleição onde o vivente era eleito para um cargo e dai a quatro anos, se assim o povo entendesse, poderia perder aquele mesmo cargo e ficar sem os privilégios que altos dignatários da nação devem ter por ser direito divino. Este tormento acabou. Eu agora sou rei  de Santana das Pedras e agora não tem mais o pesadelo das eleições  para me tirar do cargo. Governarei até o último dia da minha vida.  Este cargo será passado para o meu filho que passará para o filho dele e assim sucessivamente. Deixamos para trás este triste capítulo   que foi o tempo da democracia e o flagelo de perder eleição. Derrota nas urnas nunca mais. O nosso povo escolheu de forma democrática, através de um plebiscito o sistema monárquico   que é o regime  deixado por Deus, conforme consta do livro sagrado e vem deste os tempos remotos  e que a esquerda – que não acredita em Deus, tentou substituir o sagrado reinado por essa tal de democracia que nunca deu certo e que tem sido a responsável pelo Brasil continuar sendo um país de terceiro mundo. Santana das Pedras a partir de hoje passa a ser uma nação de primeiro mundo por ter um rei, assim como a Espanha, a Inglaterra, entre outros países desenvolvidos.  É com muita emoção que  eu tenho a honra de entrar para a história como o primeiro rei legitimamente coroado em Santana das Pedras, tendo as bênçãos de todas as religiões aqui irmanadas. Isso quer dizer que represento o poder divino na terra e que não poderei perder o poder jamais, a não ser quando eu morrer e, como eu já disse e volto a repetir,  quando isso acontecer o meu filho, o príncipe herdeiro que está aqui ao meu lado juntamente com a rainha minha esposa, será empossado rei e quando ele morrer, o trono será herdado pelo filho dele. É assim que manda o livro sagrado e não como prega essa tal de democracia, o regime dos hereges, dos que não temem o altíssimo, dos que querem o fim da família, o casamento de homem com homem, de mãe com filho, de filho com pai, os que querem a destruição da sociedade, aqueles que pregam a igualdade, a distribuição de terra, os que defendem os direitos humanos. São esses degenerados que inventaram esta tal de democracia para tomar o poder de homens nobres como eu e minha família. Mas agora com a proclamação do reinado em Santana das Pedras, esse tempo triste fica no passado. Aproveito a oportunidade para incentivar os prefeitos de outras cidades vizinhas a também deixarem de lado essa praga chamada democracia e também instalarem um reinado em suas cidades e nunca mais vocês passarão pelo infortúnio de perder uma eleição. Quero dizer que o meu reinado será de prosperidade e bonança mas desde já deixo claro que não será tolerado desobediência as ordens do rei, e aquele que criticar o rei incorrerá no gravíssimo crime de lesa majestade e será condenado a forca em praça pública e a família pagará todas as despesas com a execução, inclusive o salário do carrasco e do coveiro. Cumpra-se o que está escrito.  Agradeço a todos que vieram de outras plagas para acompanhar a implantação do Reinado de Santana das Pedras e participarem conosco deste dia histórico. Tenho dito.”

A multidão,  vestida como se estivesse no século 18, aplaudiu de pé. A orquestra mais uma vez rufou os tambores e formou-se uma imensa fila de bajuladores para cumprimentar o rei. Inclusive prefeitos de cidades vizinhas também compareceram e trouxeram presentes ao monarca. Todos foram assistir aquela experiência inusitada pois, se desse certo em Santana das Pedras, eles, em breve, também decretariam o reinado em suas cidades e ficariam livres das disputas eleitorais e das temidas derrotas nas urnas e ainda teriam a oportunidade de condenar os seus adversários a forca.

O mestre de cerimônia do monarca anunciou que agora seria dado posse pelo soberano aos Nobres Conselheiros do Rei e também do Conselho Religioso.

O rei foi chamando nome por nome e, com o cetro batendo no ombro esquerdo de cada um, repetia a frase, “Em meu nome eu vos consagro NOBRE CAVALEIRO DO REI”, concluído fez o mesmo com o Conselho Religioso.

Terminada essa parte da cerimônia foi servido um fino coquetel aos presentes. Ninguém sabia que comida era aquela pois no sertão um só vivente não tinha experimentado daquelas iguarias trazidas de terras estrangeiras. Como o rei previra, ninguém gostou mas todo mundo comeu e saiu dizendo que havia gostado muito. “È o que eu digo: todo besta pensa que é sabido sem saber que todo mundo sabe que o sabido é besta” disse o rei no ouvido da rainha.

Dona Cândida, a secretária, observava de longe o Rei cochichando no ouvido da Rainha.

Existia em Santana das Pedras um grupo que acreditava que a terra era plana e se reunia secretamente para discutir o assunto. Eram cerca de 20 pessoas, sendo um engenheiro, um arquiteto, um médico, estudantes e profissionais liberais. Todos eles eram contra a democracia, tinham pavor da esquerda e apoiavam fanaticamente o reinado. O único ponto de discordância entre eles e o rei é que o monarca havia declarado, no decreto de posse, que a terra era QUADRADA.

– Como é que pode o nosso rei dizer que a terra é quadrada? Reclamava o engenheiro.

– O que será que deu na cabeça dele para fazer uma afirmação dessas? Questionava o arquiteto.

Conversa vai, conversa vem, tiveram a ideia de marcar uma audiência com o rei para tentar convencê-lo de que a terra era plana e não QUADRADA.

O engenheiro era filho de um falecido amigo do rei e conseguiu, até com certa facilidade marcar a audiência.

– Que satisfação recebê-los aqui meus súditos – disse o rei, enquanto os súditos se ajoelhavam e beijavam-lhe o anel como se fazia antigamente. Era exigência do protocolo real de Santana das Pedras.

– A satisfação é nossa em visitar vossa majestade, esta augusta figura que nos enche de orgulho.

– Mas me digam meus súditos, a que devo esta visita?

Os terraplanistas se entreolharam e o engenheiro adiantou-se

– Em primeiro lugar queríamos parabeniza-lo pela brilhante ideia de acabar com essa tal de democracia aqui em Santana das Pedras e implantar o reinado. Democracia é coisa da esquerda atrasada e nunca vai dar certo. O senhor fez muito bem ao acabar com essa praga.  Para usar uma metáfora futebolística, o senhor fez um gol de placa.

– Muito obrigado meu jovem, vocês sabem que no meu cérebro não falta lobosofeia e leprego.  Ramufagem é comigo mesmo. Tive que usar de muita ramufagem, lexicolosia e outras basófias para extinguir a tal da democracia e criar o reinado em nossa amada Santana das Pedras.

– É por sabermos que o senhor é um homem da mais alta ramufagem e muita lexicolosia que não temos a menor dúvida que o senhor entenderá o assunto que nos traz aqui

– Ora, Ora, deixen de arrodeio, de remulengo, de caximbó e vamos direto ao assunto meus súditos.

– Majestade, o senhor fez constar, em seu decreto de posse, que a terra é quadrada. Não foi isso?

– Exatamente. A terra é QUADRADA. Porque? Vocês tem alguma dúvida quanto a isso?

-Não majestade. Não se trata de uma dúvida. Quem somos nós para duvidar de um decreto exarado por tão loxicoloso rei. É que somos estudiosos do assunto e temos muito interesse em auxiliar o reinado para não corrermos o risco de termos a democracia de volta e ainda termos que ouvir a esquerda dizer que todos os seres humanos tem direitos iguais.É por causa disso que, baseado em estudos profundos e até mesmo na ciência, nos temos certeza que a terra é plana.

O Rei fingiu serenidade.

– E porque você acham isso?

– Os estudos majestade, a ciência. O senhor modernizará ainda mais o seu reino se admitir que a terra é plana e não quadrada. Eu suplico que aceite a nossa humilde sugestão.

O rei ficou alguns segundos em silencio, bateu o cetro no chão e voltou a falar

-Vocês já pararam para pensar no que vocês estão fazendo? Vocês estão tentando desmentir um decreto do rei. Vocês sabem a gravidade disso? Sabem? Além disso vocês não viram no decreto que ciência para mim tem o mesmo valor de um jegue?

-Não é isso majestade. Estamos apenas querendo contribuir com a modernização do reinado. O senhor sabia que a força da gravidade não existe e que há um muro de gelo que cerca a terra, o que prova, de forma irrefutável, que a terra é plana?

O Rei levantou-se do trono, andou pela sala e virou-se para os terraplanistas e sapecou

– Tá certo. Tá muito bem. O único muro de gelo que conheço é aquele cubo que a gente bota em uísque e, só isso já me basta para provar que a terra é quadrada. Segunda coisa. Já que vocês estão sustentando aqui diante da minha real pessoa que a força da gravidade não existe então quero fazer uma proposta a vocês. Escolha um de vocês para subir na torre da igreja e pular de lá de cima. Se não existir força de gravidade, como vocês estão dizendo, o cabra vai flutuar e não vai cair certo? Mas se existir a força da gravidade, o infeliz vai se esborrachar no chão que nem  um mamão podre. Então ficamos assim. Se o cabra não cair eu renuncio o meu reinado e o emposso um de vocês em meu lugar. Quem topa, dê um passo a frente.

Obviamente ninguém topou. O rei retomou a conversa já falando em outro tom muito mais alterado.

– Tá vendo como eu desmontei em dois minutos a teoria de vocês? Tá vendo?  Entendem agora a gravidade do que vocês fizeram? Vieram aqui e, diante de mim, se opuseram a um decreto do rei e sabem o que acontece com que  faz isso? Sabem?

O grupo permaneceu calado, tremendo de medo.

– Já que vocês não responderam, eu vou responder: quem tenta desmentir um decreto do rei, comete crime de lesa majestade e a punição é  a morte na forca.

Ao ouvir essas palavras, o grupo caiu de joelhos, chorando aos pés do rei

– Perdão majestade, misericórdia, não era essa a nossa intenção.

Neste momento dona Cândida, a secretária, surgiu na sala como se viesse de algum aposento secreto.

– Não faça isso majestade. Não condene esses jovens a morte pelo amor de Deus. Lembre-se que um deles é filho de um falecido amigo seu e de quem o senhor gostava muito.

O rei andou mais uma vez pela sala

– É dona Cândida, para mim é sempre difícil resistir a um pedido seu. Não os condenarei a morte mas, como temos aqui no grupo um engenheiro, um arquiteto e diversos outros profissionais, eles, a partir de agora, como castigo para nunca mais contestarem o rei, serão requisitados a força para construir o palácio do rei no ponto mais alto da cidade. Ficarão sob os cuidados da minha guarda e só serão liberados quando o palácio for concluído. E deem graças a Deus e a dona Cândida pois o certo seria mandar vocês para o enforcamento. E para concluir nossa conversa quero fazer uma pergunta e quero que todos me respondam do fundo do coração. A terra é redonda?

Não majestade – gritaram todos

A terra é plana – Nunca foi majestade, gritaram todos novamente.

A terra é?…O rei fez uma pausa e aguardou já saboreando a resposta

QUADRADA – Todos gritaram.

O rei então ordenou aos guardas que os levassem e que começassem imediatamente o trabalho de construção do palácio.

 

A construção  foi relativamente rápida. Com medo do rei mudar de ideia e mandá-los para a forca os rapazes da terra plana, trabalharam de forma enlouquecida e, em pouco tempo a obra estava pronta. Uma depressão do terreno foi aproveitada para que um lago fosse feito  em frente ao  prédio de dois pavimentos. No primeiro  ficava a guarda do rei devidamente paramentada parecendo a guarda suíça que faz o serviço de segurança do Papa, por uma escada, também devidamente guarnecida por seguranças, chegava-se a sala do trono. Uma porta lateral dava acesso  a residência real e outra para os aposentos do príncipe herdeiro. Havia ainda uma porta secreta que, segundo dizem, era utilizada pelo rei para os seus encontros com dona Cândida mas isso permanece no plano da fofoca. Saberemos mais para frente.

A fazenda do prefeito foi transformada na residência de campo do rei e sua família e também passou a contar com forte aparato de segurança. Para transporte do rei, foi fabricada uma carruagem luxuosa iguais aquelas de antigamente que eram puxadas por seis cavalos e conduzidas por um cocheiro.  Estes gastos todos sangraram os combalidos cofres do reinado e, deixaram a população em situação de penúria, muitos chegaram mesmo a passar fome para sustentar a ostentação da corte. Mas ninguém ousava dizer nada como medo de ser acusado de crime de Lesa Majestade e serem condenado a forca. Era melhor sofrer em silêncio do que ter uma corda no pescoço em praça pública.

 

O LÍDER ESQUERDISTA JOÃO RUFINO VAI A BRASÍLIA DENUNCIAR QUE EM SANTANA DAS PEDRAS, O PREFEITO CRIOU UM REINADO

 

– Como é que é? É isso mesmo que você está me dizendo meu nobre vereador? O prefeito de Santana das Pedras acabou com a eleição e transformou a cidade em um reinado?

– Exatamente deputado, é isso mesmo que o senhor ouviu. E o pior é que ele comprou os líderes religiosos, os vereadores, fizeram a cabeça do povo e depois disso ainda  fizeram um plebiscito de araque e 90 por cento da população votou a favor do reinado. O homem já foi empossado como rei e já construiu até um palácio com trono e tudo e, enquanto ele comete essa loucura, o povo sofre sem emprego, sem salário, sem nada, passando fome. Um horror o que está acontecendo em Santana das Pedras.

– É inacreditável, exclamou o deputado e emendou “Vou agora ao Plenário da Câmara dos Deputados, fazer esta denúncia e cobrar providências urgentes. Um Prefeito do interior transformar um município em um reinado? Era só o que me faltava. Isso não pode acontecer no Brasil.’

 

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PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO

Naquela tarde, no Plenário da Câmara em Brasília, o deputado subiu a tribuna e fez um forte discurso denunciando o que estava acontecendo em Santana das Pedras.

“Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados. Vocês não vão acreditar no que vou relatar agora. Parece piada de mau gosto mas, infelizmente, é verdade. São os absurdos que vem acontecendo no Brasil. Imagine os senhores que um prefeito, no sertão da Bahia, ao arrepio da lei, afrontando a constituição, declarou o fim da eleição, o fim da democracia e instalou um reinado na cidade de Santana das Pedras. E o que ainda é pior: se declarou rei e mandou construir até um palácio. Fechou a Câmara Municipal e os vereadores foram transformado em Nobres Conselheiros do Rei, assim com os líderes religiosos foram empossados no Conselho Religioso. Os cargos são vitalícios e passam de pai para filho. E o mais absurdo ainda: o rei decretou que a terra é quadrada e quem discordar será enforcado em praça pública.

No plenário alguns parlamentares duvidavam que algo tão surrealista estava mesmo acontecendo no interior do Brasil. Outros davam risadas da novidade, alguns, partidários da   monarquia faziam discursos em defesa do prefeito e diziam que ele fora muito corajoso e que fizera o que era certo e que o Brasil precisava mesmo voltar ao tempo do reinado para poder se desenvolver. “Esta tal de democracia é um atraso. Só a esquerda para gostar de uma peste desta”, dizia um deputado.

 

Aos berros os deputados da esquerda protestavam com veemência e cobravam providências urgentes do presidente da Casa, do Supremo Tribunal Federal, prometiam denunciar na ONU o que vinha acontecendo em Santana das Pedras.

– O que esse prefeito fez é muito grave. Ele precisa ser preso imediatamente por afronta a constituição e por tentativa de fazer o Brasil retroceder ao tempo do reinado. Não podemos em hipótese nenhuma admitir isso. Só posso atribuir tal fato a realidade em que estamos vivendo em que o governo incentiva todo tipo de bizarrice como os discursos nazistas, o racismo, o ódio a mulher, aos excluídos, isso acaba dando coragem a gente maluca como esse prefeito a tomar esse tipo de atitude. Peço ao nobre presidente desta Casa que instale uma comissão de parlamentares para ir a Santana das Pedras apurar os fatos e que a Polícia Federal tome as providências para acabar com essa palhaçada em Santana das Pedras. Uma situação como essa é completamente inadmissível.

Um deputado que era a favor do prefeito, pediu a palavra e adiantou: A ideia desse prefeito é muito boa. O Brasil não precisa de democracia. Precisa é de desenvolvimento. Vou inclusive levar essa ideia para alguns prefeitos de outras regiões do Brasil para que eles também sigam esse herói do Nordeste e acabe com a democracia em suas cidades e instale o reinado. Só assim podemos nos desenvolver sem essas ideias retrogradas da esquerda que só fala em justiça social e em igualdade. Somos pela pátria e pela família acima de tudo. É por isso que a esquerda fica nessa raiva toda. Não adianta raiva, abaixo a democracia, viva o reinado.

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Depois desse pronunciamento um princípio de tumulto entre  os deputados que eram contra e os que eram a favor do reinado. Foi preciso que os seguranças da Câmara entrassem em ação para que os deputados não trocassem sopapos no plenário, diante da imprensa.

O REI SE ENFURECE

O rei de Santana das Pedras, ao tomar conhecimento de que João Rufino o havia denunciado na Câmara dos Deputados, ficou enfurecido.

– Eu vou pegar aquele tatu peba, aquele ruduleiro de vazante, aquele caxingó, filho de uma caxinguelê com sucuri, filho de bode com urubu, miserento do cabrunco.

– Calma majestade – dizia dona Cândida, a governanta do rei, já trazendo um chá de camomila para o soberano.

– Com rosto avermelhado, quase pegando fogo, atropelando as palavras,  o rei ordenou a dona Cândida

– Reúna urgentemente os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso. Vamos começar uma caçada ao João Rufino. Ele não devia ter cutucado onça com vara curta. O pau vai quebrar no lombo dele até dizer chega.

A PRISÃO DE JOÃO RUFINO

O Rei não perde tempo e começa a falar com rispidez

– Reuni os senhores aqui para  informar  que vou condenar a forca,  o miserável, o cabruquento, o ruduleiro de vazante do João Rufino. Os senhores sabem que mesmo eu sendo rei e que ninguém pode falar mal do rei, ele teve o desplante de ir a Brasília e me denunciou e ainda insuflou um deputado bunda suja da esquerda para fazer um discurso contra mim em plena Câmara. Eu não aceito isso. Eu sou o rei. Minha palavra é a ordem e a lei  neste reinado de Santana das Pedras.

– O senhor tem razão majestade e tem mais: o João Rufino, além de ter afrontado a vossa real pessoa, ainda acusou Os Nobres  Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso de terem sido comprados por vossa majestade. João Rufino é um desclassificado e que não merece piedade. Pau nele.

– Mande a guarda real trazê-lo. Primeiro ele será interrogado pelos Conselheiros, para darmos uma aparência de legalidade à condenação daquele caboge, cara de jegue engasgado com mandacaru.

O prefeito que se declarou rei, falava espumando pelo canto da boca. A raiva fazia os olhos faiscarem.

 

JOÃO RUFINO É ARRASTADO PARA SER OUVIDO PELO CONSELHO DOS NOBRES E PELO CONSELHO RELIGIOSO

João Rufino estava em sua casa quando bateram a porta. Ele abriu e foi imediatamente agarrado por cerca de vinte homens fortemente armados. Esperneando, sem se entregar facilmente e mostrando coragem, João Rufino protestava com veemência.

– Isso é uma arbitrariedade. Não podem fazer isso comigo. Sou um vereador eleito pelo povo, sou o líder da oposição nesta cidade. Vocês vão se arrepender do que estão fazendo.

De nada adiantaram os protestos do líder esquerdista. O povo assistia a cena. Muitos apoiavam por considerar João Rufino um elemento perigoso por ser de esquerda e por desrespeitar o rei. Mas havia quem entendesse aquilo como uma demonstração de autoritarismo do prefeito que se declarou rei. Esses ficavam calados com medo da forca. O certo é que João Rufino foi levado aos empurrões a presença dos Nobres Conselheiros do Rei e do Conselho Religioso para ser interrogado.

– Senhor João Rufino, queremos adverti-lo que o senhor, diante desta corte tem a chance, por bondade do nosso amado rei Carlos I, de retirar todas as ofensas e se declarar súdito leal do rei e com isso ficar livre da terrível condenação que pode cair sobre você.

Disse, em tom grave e solene um dos Nobres Conselheiros do Rei

Ainda zonzo com os sopapos que havia tomado, João Rufino tentava raciocinar

– Me declarar o que? Perguntou ele, revoltado com aquela situação inusitada.

– Declare-se súdito leal do rei – ordenou novamente o Conselheiro.

-Que rei? Vocês estão doidos? Que loucura é essa? O tempo do reinado já se foi há muito tempo. Estamos em um país democrático e que vive sob o império da lei. Não reconheço rei nenhum.

 

O Conselheiro fez nova advertência

– Veja bem, preste atenção! Santana das Pedras vive sob o império da lei e a lei aqui é o nosso rei. Declare-se súdito do rei e o senhor será perdoado pelos crimes cometidos.

João Rufino ficou olhando para Os Nobres Conselheiros do Rei. Conhecia os todos. Há poucos dias eram apenas vereadores  e, agora,  estavam ali vestidos naquelas roupas ridículas como se estivessem voltados mais de  200 anos atrás e se achando figuras importantes de um reinado delirante que eles mesmos decretaram. Incrédulo com aquela situação João Rufino se perguntava perplexo: como foi que chegamos a esse ponto? E o povo  como é que aceita essa imposição do prefeito que agora se diz rei? João Rufino foi arrancado daqueles pensamentos pela voz do Conselheiro.

– E então?  O senhor vai se declarar súdito leal do rei e pedir perdão ao nosso soberano?

João Rufino mesmo não conseguindo entender aquela realidade afrontosa, rebateu com os argumentos que lhe vieram a cabeça

– Sou vereador eleito pelo povo desta cidade, sou um defensor da democracia e não reconheço reinado, não sou súdito de ninguém e não cometi crime algum.

– Então quer dizer que o senhor não tem conhecimento que, por ordem do rei a Câmara Municipal foi fechada e aqui não existe mais vereador e nem eleição e muito menos esta tal de democracia? O senhor não considera crime ter ofendido o nosso amado rei, pai da pátria de Santana das Pedras? Perguntou um dos Conselheiros ao tempo em que outro lançava outra pergunta

– O senhor não considera crime dizer que o rei comprou os Nobres Conselheiros e o Conselho Religioso? São dois crimes que o senhor praticou: um de lesa majestade e outro de heresia. Nós estamos lhe dando a oportunidade de se regenerar, voltar a ser um cidadão honrado e ser reintegrado a sociedade. Convencemos o nosso rei a lhe oferecer o perdão pelo fato do senhor ter sido nosso colega na extinta Câmara Municipal, mesmo o senhor sendo de esquerda, defensor de ideias como direitos humanos, liberdade de expressão, igualdade social entre outras sandices, estamos lhe dando essa oportunidade. Queremos informa-lo que, caso o senhor peça perdão e se declare súdito do rei, por bondade do  soberano, o senhor terá um bom salário para exercer um cargo importante no reinado.

– Cargo importante? Que cargo? Vocês estão tentando me subornar para calar minha boca e para que eu não denuncie estas barbaridades que estão acontecendo em Santana das Pedras. É isso?

 

Revoltado com a petulância de João Rufino, o Conselheiro retrucou de forma áspera

– Não é nada disso. Não estamos querendo suborná-lo. O senhor terá o cargo de  bobo da corte e terá a oportunidade de fazer patetices, peripécias, presepadas, rebosofeias, relepregos, gragolinagens, parangolés diversos, urubuzadas mil, para divertir o nosso rei. O que acha? É a grande chance que o nosso amado rei está lhe oferecendo. Ou você aceita ou vai ser enforcado em praça pública.

João Rufino foi tomado por um ódio ainda maior, sentiu a barba espetar o rosto e respondeu com raiva.

– Peguem o cargo de vocês e enfiem naquele lugar ou chamem a mãe de vocês para ser o bobo da corte. Podem jogar a consideração de vocês na lata de lixo, no esgoto, onde vocês quiserem! Eu vivo sob a lei brasileira e no Brasil não existe reinado e nem pena de morte e se eu for enforcado vocês responderão por assassinato. O que está acontecendo aqui  é uma alucinação desse prefeito incompetente, deste ditadorzinho do sertão. Não reconheço este delírio que vocês chamam de reinado. Estamos em Santana das Pedras, um município brasileiro como outro qualquer e não em um reinado. Tirem as vendas dos olhos e vejam as coisas com clareza.  Tenho muito mais o que fazer do que ficar aqui ouvindo essas lorotas dos senhores que, alias,  parecem vestidos para uma festa a fantasia. É isso que virou Santana das Pedras, uma cidade fantasiada de reinado. Isso é uma piada de muito mau gosto mas vocês vão responder por isso e vão pagar caro por ter levado adiante esse delírio do prefeito.

Indignados com a fala de João Rufino e se sentindo ultrajados em sua autoridade, os Conselheiros ordenaram aos guardas reais.

– Recolha o homem a cadeia.

A ordem  foi cumprida imediatamente. Imobilizado pelos brutamontes, João Rufino foi  levado, aos empurrões,  para a cadeia  na parte inferior do palácio.

– Isso é um absurdo, vou denunciar na ONU, nos Direitos Humanos, a Anistia Internacional. Vocês vão pagar pelo que estão fazendo. Vocês estão loucos. Me soltem! Me soltem!

Os gritos de João Rufino ecoavam sem resposta. Ouviu-se apenas um barulho de uma pesada grade sendo trancada.

Depois de jogarem João Rufino no calabouço, os Nobres e o Conselho Religioso foram ter com o rei para preparar o enforcamento do líder esquerdista.

– Vamos condenar esse miserável a morte – bradou o rei revoltado com relato feito pelos conselheiros.

– Minha autoridade real não pode ser contestada. Vamos enforcá-lo para servir de exemplo a quem se atrever a me criticar. Será um espetáculo grandioso para toda a cidade assistir.

Dona Cândida, que acompanhava tudo, entrou na conversa

– Majestade me escute, por favor,  eu só quero o bem do senhor e de Santana das Pedras. O reinado foi implantado faz pouco tempo e não fica bem já ir executando gente assim de uma hora para outra. Pode ficar mal visto, pode ter consequências sérias. João Rufino não é um qualquer. Ele tem amigos influentes na Assembleia Legislativa da Bahia, na Câmara dos Deputados e até no Senado Federal. O senhor acha que vale a pena enforcar João Rufino e chamar atenção destas autoridades todas que se voltarão contra o senhor? Eu acho isso muito arriscado. É preciso ter calma e pensar melhor. Não é bom tomar nenhuma atitude de cabeça quente.

Impaciente o rei retirou a coroa da cabeça, arrumou os cabelos e recolocou a coroa.

-Tá virado na cloroquina, disse o rei em forma de contrariedade.

Dona Cândida, utilizando todo o seu poder de persuasão, continuou falando.

– O senhor sabe que a esquerda do mundo inteiro se levantará contra o senhor e dai a sermos vítimas de uma ação internacional é coisa rápida. Já pensou o reinado sofrer um ataque da China, da Rússia, de Cuba ou até mesmo da Venezuela? Estaríamos liquidados majestade. Pense nisso.

O rei refletiu e perguntou a dona Cândida

-Pois muito bem. Devo reconhecer que esse ruduleiro de vazante, esse bosta de cágado tem realmente amigos influentes que podem desarticular o reinado e trazer de volta para nossa terra o flagelo, a praga da democracia que nós não queremos mais aqui. Mas já que a senhora levantou esta questão, o que a senhora me sugere, dona Cândida?

Os Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso ficaram em silencio mirando a secretária. Sabiam dos comentários de que o rei teria um caso com ela mas preferiam fingir que não sabiam.

Dona Cândida, que era uma mulher muito prática, disse o que pensava

-Eu sugiro que ao invés da pena de enforcamento, vossa majestade, num gesto de clemência digna dos grandes reis, poupe a vida dele e o condene apenas a ser   excomungado em uma cerimônia pública em que ele passe por grande humilhação diante de todos. Sugiro excomunhão porque ele colocou em dúvida a honestidade do Conselho Religioso e falar contra a religião é crime no reinado, tá escrito no seu decreto de posse.

-Isso é verdade, concordou o rei e vaticinou

– Depois disso, ele será banido da sociedade de Santana das Pedras. Ai ele só terá duas saídas: ou ir embora daqui ou vir de joelhos implorar o meu perdão.

Os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso tiveram que fazer um grande esforço para o soberano não perceber que eles alimentavam uma rancorosa inveja de dona Cândida.

O rei suspirou, tossiu,  tomou um gole de chá, ficou alguns minutos em silencio e por fim deu a ordem

– Pois muito bem. Que preparem a excomunhão. Avise a toda cidade, mande o anunciador oficial do reinado ir de casa em casa, de praça em praça, de igreja em igreja e avisando que eu o Rei Carlos I, soberano desta cidade de Santana das Pedras, decretei a primeira excomunhão do meu reinado e ordeno que toda a população esteja presente ao ato. Quem não comparecer será considerado cumplice. Quero que a cerimônia seja virada numa cloroquina.

 

A EXCOMUNHÃO

A cidade foi toda preparada para a histórica primeira excomunhão do reinado. O imenso salão do palácio teve as suas paredes  pintadas de preto e no dia marcado os sinos dobraram durante todo o dia anunciando a cerimônia. No inicio da solenidade,  os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso adentram o salão. Todos ricamente paramentados em suas vestes de gala.  Cada um trazia uma tocha acesa na mão. Sem acreditar no que estava acontecendo, João Rufino foi trazido esperneando para a sala. Uma multidão se acotovelava no salão para assistir a excomunhão. As tochas acesas em contrates com as paredes pretas criavam um ambiente  de mistério no palácio.

O rei ergueu-se do seu trono atraindo todos os olhares e de forma  solene pronunciou as seguintes palavras. “Fica o herege João Rufino condenado a excomunhão por criticar e não respeitar a religião que é um dos sustentáculos da pátria e da família. Ele demonstra não ter temor do altíssimo e, a partir de hoje não poderá mais comprar no comércio nem a vista e nem a prazo, não pode circular nas áreas públicas para não contaminar as pessoas, não pode frequentar festas, nem mesmo de aniversários, não pode ter conta em banco, não pode namorar com nenhuma mulher residente em Santana das Pedras, não pode sequer frequentar velório ou missa, ou culto e está assim banido do convívio da sociedade.

Reafirmo ainda que todo aquele que der qualquer espécie de ajuda ou de acolhimento ao excomungado, será considerado cúmplice e sofrerá as mesmas penas previstas no decreto por mim assinado. Por fim, declaro João Rufino, oficialmente excomungado e banido para sempre de Santana das Pedras. Que sua casa e todos os seus bens passem para domínio do reinado. Que as trevas o receba. Esta encerrada a cerimônia de excomunhão deste esquerdista que não respeita a religião e nem a família”

– Isso é ridículo, vocês enlouqueceram, vocês vão responder por isso. Abaixo a ditadura. Vivemos em uma democracia. No Brasil não existe reinado.

Gritou João Rufino

O rei se retirou da sala e, em seguida, em fila indiana os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso se retiraram.

Os guardas reais arrastaram João Rufino pelo pescoço e o jogaram no meio da rua como se fosse um monte de lixo.

Trôpego, cambaleante, desgrenhado,  como se estivesse em estado de delírio João Rufino andou sem rumo. Em uma esquina  encontrou um velho amigo, deu boa noite, tentou puxar conversa mas, para sua surpresa,  o amigo virou-lhe o rosto e o deixou falando sozinho, fugiu dele como o diabo foge da cruz. O medo estampado nos olhos. Depois João Rufino foi a um bar onde era  freguês de longas datas e pediu uma cerveja. O dono do bar reagiu com rispidez.  “Aqui não vendemos nada para  excomungado. E tem mais: a conta que você tem aqui não precisa mais pagar. Não recebemos dinheiro de quem foi excomungado. É um dinheiro amaldiçoado. Por favor,  não venha mais a este recinto. Aqui não queremos saber de excomungados. Estamos correndo as léguas desses degenerados que não respeitam a fé e a lei do reinado”.

Desnorteado, o vereador tentou ir a casa de amigos próximos, todos fingiram lhe desconhecer e pediram para que ele não mais retornasse e esquecesse que foram amigos um dia. Depois de passar a noite rodando de bar em bar, de boteco em boteco, sem ser aceito em lugar nenhum e sendo tratado como se fosse  portador de alguma perigosa doença contagiosa, João Rufino decidiu ir ao único lugar da cidade onde ele esperava ser aceito. Dirigiu-se ao famoso cabaré, de nome Fofa Toba, disposto a chorar suas magoas no colo de uma das moças da casa.

Lá chegando, dirigiu se a sua amiga  Rosalina, dona do Cabaré. Quando ele ia dizer alguma coisa, a mulher o interrompeu e disse que ele já não poderia mais frequentar o prostíbulo.

– Mas Rosalina você me conhece faz tanto tempo, sabe quem eu sou. Que negócio é esse? Que Loucura é essa? Você também tá acreditando na palhaçada deste prefeito que agora se diz rei?

Rosalina, acostumada aos infortúnios das mulheres do ramo da prostituição, acolhedora de tantas sofredoras, era uma pessoa forte, justa, de bom coração e explicou o que estava acontecendo.

– Olha João, não era nem para eu tá conversando com você pois já estou correndo risco de ser considerada cúmplice e também sofrer as piores perseguições que esse prefeito que se diz rei vem fazendo com os mais fracos, mas como lhe conheço de muito tempo, sei que você é boa gente, é um defensor do povo pobre, vou lhe dar um conselho. Saia de Santana das Pedras o mais rápido possível. Foi dada uma ordem expressa para ninguém conversar ou prestar qualquer tipo de ajuda a um excomungado e, principalmente, a você que é considerado defensor da democracia e inimigo número um do reinado. Eu sou contra isso mas não posso fazer nada. Me desculpe mas tenho que lhe pedir, educadamente, para você se retirar. Faço isso de coração partido mas é porque sou obrigada. Peço desculpas a você. Agora vá meu amigo e se cuide. O medo tomou conta de Santana das Pedras mas tenho certeza que este pesadelo vai passar e nos vamos nos encontrar em momentos mais felizes.

Ao ouvir os argumentos da mulher João Rufino percebeu que o problema era maior do que ele estava imaginando. O prefeito de forma ardilosa e utilizando de todos os meios sórdidos, havia manipulado a população de tal maneira que todos acreditavam mesmo que Santana das Pedras havia se transformado em um reinado e seguiam fielmente as ordens do rei. Rosalina fora a única que tivera a coragem de falar com ele e explicar tudo de forma muito clara. Era uma mulher digna, merecedora de respeito. Muito mais do que aqueles que se diziam defensores da moral e da família.

Naquele noite, sem ter para onde ir, João Rufino perambulou feito um sonâmbulo de um lado para o outro e quando não se aguentava mais de cansaço e humilhação, foi obrigado a dormir em um casebre abandonado fora da cidade. No dia seguinte, antes do sol nascer pegou a estrada andando a pé pois sabia que ninguém lhe daria uma carona e ainda corria o risco de ser morto por algum puxa-saco que queria agradar ao rei. Carregando nos ombros o peso terrível de ser um excomungado, caminhou 50 quilômetros escondido  por dento da mata até alcançar  a cidade mais próxima e,  lá chegando, relatou todo o seu drama a um primo, este, comovido, lhe deu  dinheiro com o qual ele comprou passagem e, viajou de volta para Brasília, onde pretendia tomar sérias providências para acabar com aquela situação absurda que estava acontecendo em Santana das Pedras.

“Vou pintar o sete mas juro que me vingo desse rei de araque. Esse Nero do Sertão” dizia João Rufino ao chegar a Brasília e começar a preparar o contra ataque.

Depois da excomunhão de João Rufino, o maior líder oposicionista da cidade, a população de Santana das Pedras foi tomada por um medo  avassalador. Não mais se ouviu  falar em manifestações, em greves pelos salários atrasados e nem em pedidos de renúncia do prefeito, quer dizer, do rei. Os líderes sindicais, com medo,  botaram a boca no saco, o mesmo aconteceu com os presidentes de associações de moradores. Com a situação sobre controle absoluto, o rei resolveu arrochar ainda mais o nó e, orientado pelos Nobres Conselheiros e pelo Conselho Religioso, o soberano decidiu que, aquele era o momento adequado para  estabelecer novas medidas,  cada vez mais duras com o objetivo de asfixiar o povo e mostrar quem  mandava naquele fim de mundo.

NA SALA DO TRONO O PREFEITO QUE SE DIZ REI CONVERSA COM OS SEUS CONSELHEIROS

– Então estamos todos de acordo. Certo?  Com o pulguento do João Rufino fora do jogo e banido de Santana das Pedras, o povo já viu que não estamos para brincadeira.

– Exatamente majestade – disse um dos Conselheiros – o senhor faz muito bem em endurecer o regime. Não pode dar moleza. O senhor lembra o que aconteceu com a ditadura militar com aquela história de abertura lenta, gradual e segura?

– Claro que me lembro e não vou repetir o mesmo erro. Vamos arrochar o laço. Vamos meter a espora. O povo só entende essa lei, a lei da chibata. Agora eu tô virado na cloroquina.

O NOVO CONJUNTO DE LEIS DO REINADO

No meio da tarde um anunciador oficial do rei,  saiu as ruas lendo de casa em casa, de porta em porta, de praça em praça, de igreja em igreja, as novas regras do reinado.

Dizia ele em voz alta para todo mundo ouvir e para ninguém ter dúvida:

“Por ordem de vossa Majestade o Rei Carlos I de Santana das Pedras, o bondosíssimo,  fica decretado que, a partir desta data, não será permitido homem usar brinco, nem cabelo grande e fica proibido também o uso de tatuagens. Todas os homens que tiverem brinco na orelha,  cabelo grande ou usarem tatuagem terão que se dirigir a praça em frente a prefeitura para terem os cabelos cortados, os brincos arrancados e as tatuagens raspadas ou arrancada com pele e tudo. Aquele que não cumprir esta ordem de vossa majestade será considerado culpado por descumprir uma ordem real e será pego a força e levado para passar 5 anos plantando mandioca e feijão de corda, tomate, melancia, cebola, alho, arroz e outros produtos  para abastecer o Palácio Real. Brinco e cabelo grande ficaram foi pra mulher, num foi pra homem não.O rei deixou isso bem claro. O rei odeia tatuagens e não quer ninguém usando tatuagem em seu reinado. E ATENÇÃO PARA ESTE CAPÍTULO ESPECIAL DA LEI DEDICADO AOS HOMENS QUE SÃO CORNOS. ATENÇÃO MUITA ATENÇÃO.  Os  homens que forem cornos se apresentem e passarão por uma quarentena, tomarão banho de creolina, sabão de soda, óleo de mamona sebo de carneiro e babosa com óleo diesel para tirar a catinga, o fedor e assim não contaminar os demais homens do nosso reinado. O rei, em sua infinita sabedoria, quer expurgar o vírus da cornice de Santana das Pedras. Isso tem que ser feito o mais rápido possível pois se tiver um corno em uma casa contamina a vizinhança toda. Quem souber de algum denuncie imediatamente e será bem recompensado. Essa decisão do nosso rei é pelo bem de todos e  pela preservação dos bons costumes e em defesa da família.

A CENSURA EM SANTANA DAS PEDRAS                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             O anunciador oficial do rei continuou falando em voz alta. Ele agora chamava atenção para as obras censuradas pelo rei

” Quero avisar a todos que o rei também decretou a censura das seguintes obras: DOM CASMURRO, DE MACHADO DE ASSIS. E explico os motivos: depois de profundos estudos feitos pelos Nobres Conselheiros do Rei e pelo Conselho Religioso foi constatado que este livro, escrito há mais de 100 anos, até hoje inferniza a vida do povo que não consegue descobrir se a personagem  Capitu traiu ou não traiu Bentinho. Ou seja: é um livro que incentiva a infidelidade conjugal, contribuindo para a destruição da família e dos bons costumes, donde se conclui que esse tal Machado de Assis era um degenerado comunista.  Ficam CENSURADOS também os livros O LEITE DERRAMADO e BEIJAMIN, de autoria de Chico Buarque de Holanda. O livro LEITE DERRAMADO incentiva o povo a derramar o leite, ou seja: jogar o leite fora e não entregar  a parte do rei, é uma metáfora conta o reinado, é uma afronta a vossa majestade. Já o livro BEINJAMIN, o próprio título já diz: beija a mim.  É um pedido de beijo e beijo está proibido em Santana das Pedras por ser um atentado ao pudor. Ficam CENSURADAS também todas as músicas de Caetano Veloso e Gilberto Gil. São músicas perigosas que ensinam o povo a pensar e o rei de Santana das Pedras não quer saber desse negócio de povo pensar.  O povo tem é que trabalhar e produzir riqueza para nação. Sabe-se que o povo quando pensa não dá em boa coisa. Um exemplo disso são os gregos. Pensavam muito e o resultado foi à invenção desta tal de democracia que é uma coisa que só produz atraso, um regime tão miserável que qualquer um desclassificado acha que  tem o mesmo direito de um juiz, de um desembargador ou de qualquer outra alta autoridade. São por essas coisas, entre outras, que a democracia é invenção do satanás, do diabo e que nunca vai dar certo em lugar nenhum. Então os senhores já sabem: quem for pego com estes livros ou ouvindo estas músicas ficará cinco anos prestando trabalhos forçados plantando mandioca, milho, banana, abacaxi, cana de açúcar, fazendo rapadura, farinha, manteiga e outros produtos para abastecer o Palácio Real. Estão todos informados dos novos decretos de sua majestade o rei Carlos I, amado pai da pátria de Santana das Pedras. Não desobedeçam as ordens do rei para não sofrerem os castigos da lei do reinado.

ENQUANTO O PAU QUEBRAVA EM SANTANA DAS PEDRAS, EXILADO EM BRASÍLIA JOÃO RUFINO NÃO PARAVA DE TRABALHAR PARA QUE  A DEMOCRACIA RETORNASSE A SANTANA DAS PEDRAS.

Deputado – disse João Rufino – com o olho esbugalhado de indignação. Um negócio desse parece ficção.  Isso é coisa de novela. Não podemos aceitar isso! Um prefeito que acaba com a eleição, fecha a câmara e traz de volta a excomunhão pública dos adversários como se estivesse vivendo no século 15, não pode continuar fazendo esse tipo de coisa!! Esse sujeito tem que ir para a cadeia. Isso é uma afronta a Constituição Federal e ao estado democrático de direito.

O deputado ouviu pasmo de espanto a narração de João Rufino.

_ Vereador o senhor não está exagerando? É isso mesmo que o senhor tá dizendo?  Isso num tem o mínimo de lógica. Como, em pleno século vinte e um, um prefeito acaba com as eleições, expurga a democracia e se declara rei?

João Rufino falou com mais força ainda

– O que estou dizendo é a mais pura verdade meu deputado. O senhor precisa ir a Santana das Pedras para testemunhar o absurdo que vem acontecendo lá e ninguém toma uma providência. A Justiça foi comprada, os líderes religiosos foram comprados, o povo manipulado acredita na lei que o prefeito que se diz rei implantou e ninguém mais se manifesta. Virou uma monarquia, uma ditadura. O senhor precisa ir lá ver de perto e levar mais alguns deputados para que possamos fazer as coisas voltarem ao normal em Santana das Pedras. Se essa moda pega, do jeito que os prefeitos são doidos para serem donos de prefeitura, corre o risco de toda cidade no Brasil, virar um reinado.

O deputado sacudiu a cabeça. “Isso pode até ser uma conspiração envolvendo até altas autoridades da República para fazer o Brasil voltar a ser um reinado” pensou.

– O Senhor tem razão meu vereador. Vou articular com os deputados da nossa bancada, uma viagem a Santana das Pedras para que possamos conferir, in loco, o que está acontecendo lá e denunciarmos ao Supremo Tribunal Federal, à  Polícia Federal, convocaremos a imprensa e vamos acabar com esse reizinho de araque.

– Muito bem deputado. É assim que se fala. Eu sabia que podia confiar no senhor.

COMISSÃO DE DEPUTADOS CHEGA A SANTANA DAS PEDRAS E PARLAMENTARES SÃO PRESOS

Naquela quinta-feira uma comissão formada por cinco deputados federais chegou a Santana das Pedras com a intenção de investigar se era mesmo verdade que o prefeito havia acabado com as eleições no município e se declarado rei. Logo na entrada da cidade os deputados tiveram uma mostra do que os esperava naquela jornada. No pórtico de entrada da cidade estava escrito a seguinte frase:

SEJA BEM VINDO AO REINO  DE SANTANA DAS PEDRAS. AQUI A PALAVRA DO REI É A LEI E A ORDEM. SE ENQUADREM PARA NÃO SEREM CONDENADOS A MORTE.

Os deputados se esforçaram para realizar uma reunião, como é normal acontecer quando parlamentares vão a qualquer cidade do interior. Qual nada! Não apareceu um vivente nem para dizer boa noite. Os moradores de Santana das Pedras não quiseram nem saber de reunião. Estavam todos com um medo danado de serem enquadrados na lei do reinado e  serem condenados a morte.   Os deputados, mesmo assim, resolveram discursar em praça pública criticando duramente a criação do reinado em Santana das Pedras e afirmaram que o fato atentava contra a Constituição Federal. De repente chegou a guarda real, toda paramentada, e prendeu os parlamentares.

Puxados pelo pescoço, tendo espadas e rifles encostados nas costelas, os deputados foram levados a presença do prefeito que se dizia rei. O soberano tomava um copo de leite e comia cuscuz  com ovos e carne seca do sertão.

Ele olhou de forma pouco amigável para os deputados e falou sem a menor cerimônia

– Então seus canguçus, seus bunda-sujas, seus mané cadê minha égua!  Quer dizer que vocês saíram de Brasília para vir infringir a lei aqui em Santana das Pedras? Que coisa hem? Que mau exemplo para quem é parlamentar.

Mesmo assim os deputados não se deixaram intimidar

– Nós vamos denunciar  em Brasilia, no Supremo Tribunal Federal, na Policia Federal, na ONU tudo o que está acontecendo aqui. Esse absurdo não pode continuar. Não existe reinado no Brasil.

O rei reagiu com ironia

– Vai ser a primeira vez que vejo morto falar. Sim.Os senhores só saem daqui com vida se eu quiser. Caso eu não queira os senhores serão condenados a forca. E ai sabem onde os senhores vão me denunciar? Sabem? Pois eu sei: no colo do capeta.

Os deputados empalideceram. Se entreolharam apavorados. O negócio era muito pior do que eles haviam imaginado. Aquele prefeito, que se dizia rei, tinha os olhos de louco e parecia capaz de tudo.

– Vejo que os senhores ficaram brancos de medo, parecem até que estão sem sangue, disse o rei de Santana das Pedras, sacudindo o corpo em um sorriso enigmático.

– O senhor disse que pode nos matar? Queria que ficássemos como? Sorrindo de felicidade?

O Rei tomou mais um gole de leite, comeu mais um pedaço de cuscuz com ovo e voltou a falar

– Os senhores sabem que aqui em Santana das Pedras estão sob a minha jurisdição e a minha lei. Aqui eu sou a ordem e a lei. A primeira e última palavra são sempre minhas.

Os cinco deputados permaneceram em silencio olhando para aquele homem vestido de rei com uma coroa na cabeça

– Portanto senhores deputados, aqueles que falarem mal do rei neste território comete  crime de lesa majestade para o qual só há uma punição.

– Que punição?  Perguntaram os deputados com os nervos em alvoroço

– A morte por enforcamento em praça pública. É isso que vocês merecem por desafiarem a autoridade do rei.

– O senhor não pode fazer isso conosco. Somos deputados federais. Se nos matar  vai ter intensa repercussão em Brasília, a Polícia Federal virá aqui e o senhor será preso por assassinato.

-Eu sei que os senhores são deputados mas são da esquerda e a esquerda no Brasil não passa por um bom momento, não é mesmo? Acho que o presidente da república vai é fazer festa  e me agradecer por livrá-lo de vocês. Seus caburé de oreia, jumento empacado, saracura do brejo, que só falam  mal do governo dele e vivem pregando liberdade de expressão, igualdade de direitos, respeito a mulher, a diversidade, casamento de homem com homem, de mulher com mulher, liberação das drogas, defesa do meio ambiente, divisão de terras e outras jeguices que o povo da esquerda gosta.

Sabem de uma coisa? Eu não tenho dúvida que o nosso  presidente  defende a mesma tese que eu defendo e vai  seguir o exemplo de Santana das Pedras e transformar o Brasil em um reinado. Para vocês terem uma ideia, antes esta cidade estava um pandemônio só porque a prefeitura estava com  um ano de salários atrasados, tava com  falta de médico, de professores e só por causa destas bestagens, o povo teve a burrage de fazer greve e pedir a minha cabeça. Sabe o que eu fiz? Acabei com essa tal de democracia – que é o pior negócio que já inventaram – e decretei o reinado. Agora eu sou o rei e quem manda sou eu. Pergunte se alguém mais quis fazer greve! Aonde! Sabem que podem ser excomungado como foi o caso do meu adversário João Rufino ou então que podem ir parar na forca se me encherem muito a paciência. Agora tá todo  mundo com a boca no saco e se falar mal de mim é pau na moleira, eu viro um siri na lata. Como eu disse antes,  não tenho dúvida que o nosso  presidente vai  seguir o meu bom  exemplo, acabar com a misera da democracia, com a peste da eleição, decretar o reinado no Brasil com ele sendo rei e os filhos dele sendo os príncipes herdeiros. Quero ver quem vai ter coragem de ficar batendo panela contra ele toda vez que ele aparece em publico ou que ele fala na televisão, sabendo que, se fizer isso, pode ir parar na forca. Fica todo mundo bonzinho e cumpre o que ele mandar direitinho. Sem reclamar de nada e achando bom.  É assim que tem que ser.

Os deputados se entreolhavam atônitos

O rei prosseguiu

– Sendo vocês deputados, mesmo sendo da esquerda, eu vou dar uma chance a vocês seus cururus da grajueira, vou convocar os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso para saber que decisão tomar com relação aos senhores. Aconselho os senhores a irem rezando para Deus perdoar seus pecados pois o mais certo é que vocês sejam enforcados para servir de exemplo e para ninguém se atrever a sair de Brasília para vir se meter nos assuntos do rei de Santana das Pedras. Por enquanto os senhores ficam presos até que uma decisão seja tomada.

Senhores guardas, levem os deputados para a prisão e deem uma surra de cabo de vassoura em cada um que pra eles saberem que aqui o que funciona é a lei do porrete. Fui claro?

-Sim senhor, disseram os guardas e saíram levando os deputados já debaixo de bordoadas.

VISITA DOS PREFEITOS DO SUL DO BRASIL

Enquanto os deputados permaneciam presos, o prefeito que se dizia rei recebeu a visita de uma comitiva de prefeitos de várias regiões  do Brasil.  Eles vieram saber como o alcaide  havia conseguido, tão rapidamente, transformar o município em um reinado, quais as estratégias que haviam sido adotadas? Como havia convencido o povo, como conquistara o apoio dos religiosos, como fechara a Câmara Municipal? Os prefeitos faziam todas essas perguntas porque pretendiam copiar o modelo para também   implantar o reinado em suas cidades. Queriam acabar com as eleições por não suportar a ideia dos seus adversários lhes tomarem o poder e também por ter a democracia como uma invenção do demônio, como algo  que deveria  ser varrida da face da terra.

Faziam parte da comitiva, prefeitos do Nordeste, do Centro Oeste e muitos do Sul do País. Apesar de serem de regiões diferentes, ódio a democracia era um traço comum a todos. “Já tá provado que essa tal de democracia não dá certo. Reinado é muito melhor. Acaba com a peste da eleição e você só deixa o cargo quando morrer. Tem coisa melhor?” diziam os prefeitos na conversa com o rei de Santana das Pedras..

Na sala do trono foi servido um farto café da manhã com cuscuz, ovo, paçoca de carne seca, milho assado, abobora na grelha, requeijão, coalhada, mandioca com carne assada, café, suco de maracujá, beiju, peta, entre outras iguarias do sertão.

– Então os senhores vieram aqui conhecer o reinado de Santana das Pedras para também implantar um reinado nas cidades de vocês. Não é isso?

Perguntou o rei muito bem humorado e vaidoso por ser o alvo das atenções e por sentir que virara a referência e o ídolo político de muitos no Brasil.

 

– Exatamente majestade

– Pois os senhores estão no lugar certo. Aqui em Santana das Pedras a situação estava fora de controle mas foi só eu decretar o reinado e endurecer as leis que tudo voltou a mais absoluta tranquilidade. Não existe forma melhor de governo do que o reinado. O povo fica encabrestado, com a boca no saco com medo de ser excomungado ou de ir parar na forca. Você governa do jeito que você quiser e entender. Ô maravilha.

– É isso que nós queremos em nossas cidades. Implantar o reinado. Chega do povo dar pitaco em administração pública. O povo entende de que mesmo? E  ainda vem esses descarados da esquerda dizer que a democracia é o melhor regime do mundo. Nunca! O melhor sistema de governo do mundo, é o reinado.

Disse um prefeito mordendo um pedaço de cuscuz com ovo e carne de sertão. O rei, entusiasmado com o reconhecimento, contou a todos como fez para transformar Santana das Pedras em um reinado. Deu todos os detalhes e acrescentou mais alguns para deixar a façanha ainda mais emocionante.

-Bem, vocês já conhecem a tecnologia de fundar um reinado é só lançar mãos a obra e colocar em prática tudo que eu lhes disse agora. Sua cidade vai mudar da água para o vinho.

 

Satisfeitos com a receptividade, os prefeitos  agradeceram ao rei e fizeram o compromisso de apoia-lo e de convidá-lo para uma reunião em breve onde ele seria o principal palestrante em um seminário cujo título seria: COMO ACABAR COM A DEMOCRACIA E FUNDAR UM REINADO.

REUNIÃO COM O CONSELHO PARA DECIDIR DESTINO DOS DEPUTADOS

O rei está sentado no trono. Os Nobres  Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso,  sentados ao lado do soberano formando um círculo.

– Meus nobres Conselheiros, que conselho vocês me dão? Vamos enforcar os deputados ou não? Qual a opinião de vocês?

– Majestade é melhor enforcar logo para servir de exemplo. Quando o povo souber que nem mesmo   deputados não foram poupados  da forca, ninguém terá mais coragem de criticar o senhor. É batata.

O soberano abanou as sobrancelhas

– Eu também acho. E depois seria uma glória, um dia histórico, inaugurar a forca com a execução de deputados. Que maravilha. Ia ser um dia virado numa cloroquina.

Dona Cândida, secretária, que sempre estava por perto, atalhou a conversa para desgosto dos Conselheiros

-Só tem um problema.

-Então fale logo dona Cândida, disse o rei sem esconder a impaciência.

-Calma majestade. Nem parece que passou por uma sessão de relaxamento. ( Na fala dela uma ponta de malícia) O que quero dizer é o seguinte: se isso acontecer o assunto vai repercutir muito mal em Brasília e podem até mandar invadir nossa cidade e acabar com o reinado. Se o presidente da Rússia quiser, é só apertar um botão e um míssil explode Santana das Pedras que não sobre ninguém pra contar a história. E ainda vão dizer que foi a queda de um meteorito. Ninguém jamais vai saber que se tratou de um ataque.  Os deputados que estão preso não são  qualquer um e, a esta hora, já deve ter algum movimento em defesa desses parlamentares em Brasília. Sei que o senhor tá doido pra enforcar alguém mas, na minha opinião, ainda não é hora de expor o reinado desta forma. É preciso calma. Muita calma.

– Depois de ouvir várias opiniões o rei chegou ao veredito final.

– Olhe dona Cândida, gosto muito da senhora mas desta vez não vou seguir seus conselhos. Vou enforcar esses bundas sujas para servir de exemplo. Tô me lixando para a Russia.

Nisso o telefone toca. Dona Cândida atende.

– Majestade é uma ligação para o senhor

-Para mim? Quem e? Manda ligar depois. Agora vamos tomar os providenciamentos para o enforcamento dos deputados.

– É de Brasília, é o presidente da República

O rei da um pulo do trono como se tivesse uma mola na bunda

– Passe a ligação, rápido, urgente, vamos logo

– Pois não majestade.

Dona Cândida entrega o velho telefone fixo ao rei.

– Bom dia maior presidente da história do Brasil. A que devo a honra de receber tão nobre ligação para este humilde rei?

– Olha rei, diz o presidente, tô sendo muito pressionado aqui em Brasília por conta da prisão dos deputados ai em Santana das Pedras. O senhor precisa soltá-los com  a máxima urgência.

– Mas presidente, esses deputados são da esquerda, são adversários do senhor, só falam mal do seu governo e foi o senhor mesmo que disse que para esquerdista a gente tem é que dar chá de sumiço

-É mas a notícia pipocou e o presidente da Câmara disse que se eu não tomar providências e os deputados não forem soltos imediatamente vão cassar o meu mandato. Tá um bafafá danado aqui em Brasília. A notícia tá em todos os jornais e o senhor sabe que esta imprensa mentirosa é toda contra mim. O certo é que  tô vivendo uma crise política sem precedentes por conta da prisão destes deputados ai em sua cidade. Não posso perder o meu mandato de jeito nenhum por causa de um troço desse.  É só por isso que eu peço a soltura deles. Eu sou igual ao senhor, não gosto de esquerdista. Esquerdista comigo é na chibata mas, nesse caso, temos que atender as exigências do parlamento ou o meu mandato vai para o beleléu. E isso não pode acontecer. Tá me entendendo?

– Sim. Sim. Vejo agora que até um rei pode ter suas limitações. Mas olhe, quero aproveitar a sua ligação presidente, para sugerir que o senhor faça com o Brasil o mesmo que eu fiz aqui em Santana das Pedras. Acaba logo com essa tal de democracia e cria um reinado. O senhor vai ser o rei, a senhora sua esposa a rainha e os seus filhos os príncipes herdeiros. Quero ver deputado e senador falar mal do senhor. Se falar é forca. No reinado é assim. Siga meu conselho e o senhor vai se dar muito bem.

O presidente respondeu

-E o senhor acha que eu não estou pensando nisso? Penso nisso o tempo todo. Tô só esperando uma oportunidade para dar um rabo de arraia neles. Na hora certa dou o drible da vaca, aplico um chapéu, fecho Câmara, Senado, o diabo a quatro. Basta um jipe, um cabo e um soldado. Aliás quero parabenizá-lo pela coragem de acabar com a democracia e instalar o reinado ai em Santana das Pedras.  Democracia é coisa que foi inventada pela esquerda e as coisas inventadas pela esquerda não prestam, não valem nada, é só vagabundagem. Imagine que a esquerda quer dar terra pra índio, quer dar casa para quem não tem, quer que pobre ande de avião, onde já se viu isso? Quem tem que andar de avião é rico. Pobre anda é de jegue. Num é mesmo?

– Isso mesmo presidente. Onde já se viu pobre ter direito. O direito de pobre é cair na chibata para andar direito e trabalhar sem reclamar. Quem mandou ser pobre? Quer dizer que a culpa é de nós ricos pelo fato do sujeito ser pobre? É o destino dele e ele tem que cumprir sem reclamar e sem querer fazer o que o rico faz. O direito dos pobres é servir aos ricos e já tá muito bom. Inclusive quero sugerir também que o senhor crie uma lei mudando o nome de palmatória para democracia. Quando o sujeito falar em democracia o senhor pega a palmatória e da 70 bolos nas mãos do recalcitrante. Nunca mais ele vai falar em democracia. Eu já estou implantando esse sistema aqui em Santana das Pedras e dá resultado imediato. Dizem que quem inventou essa tal de democracia no Brasil foi um tal de Sócrates que jogava no Corinthians, era a tal da democracia corintiana, depois essa peste acabou se espalhando pelo Brasil todo.Olhe meu presidente, eu sou seu admirador e seu defensor e vou atender ao seu pedido  e soltar os celerados parlamentares da esquerda, mas antes vou dar 10 chicotadas na bunda de cada um.  Mas peço ao senhor que haja o mais rápido possível para não continuar sendo vítima da chantagem de deputados e senadores.O que é que eles querem ameaçando o senhor por causa de enforcamento de deputados esquerdistas aqui em Santana das Pedras não é mesmo? Se eles fossem pessoas serias estariam eram comemorando. E não fazendo o País ficar virado na cloroquina. Siga o meu conselho presidente: implante o reinado, implante a pena de morte e mande essa turma para a forca. Tá passando da hora presidente. Tá passando dá hora. Aproveite enquanto o vento não vira. Ai babau, morreu Maria Preá. Forca neles enquanto é tempo.

O presidente agradeceu, se despediu e desligou.

Contrariado, o prefeito que se dizia rei, mandou soltar os deputados. Mas antes aplicou 10 chibatadas em cada um.

João Rufino chegou a conclusão de que para derrubar o reinado precisava fazer algo que causasse impacto na opinião pública, que chamasse a atenção da imprensa nacional e estrangeira.  Um assessor lhe deu a seguinte  ideia.

– Vamos fazer uma greve de fome em frente ao Palácio da Alvorada já que estamos aqui em Brasília. Uma greve de fome chama atenção, atrai a cobertura da imprensa do mundo todo, os países do mundo democrático que são parceiros comerciais do Brasil se manifestarão e o presidente brasileiro será pressionado de todos os lados e, mesmo contra a sua vontade, será obrigado a tomar uma decisão e fazer com que a democracia retorne em Santana das Pedras. Para mim só existe esse caminho.

Disse o assessor e ficou olhando para João Rufino, esperando a sua reação.

– A ideia é boa, disse João Rufino, mas eu não aguento passar fome por muito tempo, não. Fome dói. Não sei se terei tamanha resistência.

O assessor insistiu

– Mas João, não será só você não! Nós assessores, também entraremos em greve de fome junto com você e o tempo que você ficar sem comer nos ficaremos. Só encerraremos a greve quando Santana das Pedras voltar a ser uma democracia

“Peste”. Pensou um outro assessor que não era lá muito simpático a ideia.” O cabra vem com as ideias dele e ainda joga os outros no fogo. Eu mesmo num aguento passar fome”, continuou pensando o assessor e, para mostrar que não estava inteiramente de acordo, perguntou:

– E se esse trem num der certo? Se o reinado não acabar, nós iremos morrer de fome?

– Ai tem que ser um pacto de morte entre nós: só acabaremos a greve de fome com uma condição: que a democracia volte a Santana das Pedras.

-E se não voltar?

– Morreremos de fome em nome da causa e entraremos para a história como heróis das liberdades democráticas.

Um dos assessores advertiu

– Será que nós vamos dar conta disso? Dizem que morrer de fome é uma das piores mortes que existe. O cabra sofre pra morrer que é um horror, diz que esperneia que nem bode mal capado, que espuma até pelo canto dos olhos, que peida de desespero e se mija todo. Será que vale a pena tal sacrifício?

– Todo sacrifício em nome da liberdade de nossa pátria e do nosso povo vale a pena. “Tudo vale a pena se a alma não é  pequena” já dizia Fernando Pessoa.

– Ele só disse isso porque não teve que enfrentar uma greve de fome. Greve de fome num é menino, não. É trem do demônio. O cabra fica zureta da ideia, é um traminguichê medonho.

João Rufino, a esta altura já estava convencido ser a greve de fome o último e extremo recurso  para chamar a atenção do mundo e provocar a volta da democracia em Santana das Pedras.  Para  dar moral a sua turma, ele proferiu uma frase cheia de heroísmo.

-Se os senhores estão desprovidos do sentimento pátrio em nome da liberdade, então eu me imolarei sozinho, enfrentarei a greve de fome até as últimas consequências pela volta da democracia em Santana das Pedras e se mesmo assim a ditadura continuar eu morrerei com a sensação do dever cumprido. É melhor do que viver coberto pelo manto da covardia. Irei sozinho para o sacrifício e meu rosto ficará estampado em camisetas dos revolucionários do mundo todo tal qual Chê Guevara.

Diante de tal argumento os quatro assessores de João Rufino se sensibilizaram e não tiveram outro jeito ao não ser aderir ao movimento mesmo que alguns dos assessores não escondessem o pavor no rosto..

NOTICIA NA TELEVISÃO

Três dias depois as principais emissoras de TV do País noticiavam a greve de fome de João Rufino e os quatro assessores

Dizia o apresentador do telejornal:

Urgente. Cinco homens estão fazendo uma greve de fome em frente ao Palácio da Alvorada em Brasília. De Lá, fala ao vivo, a nossa repórter Claudia Dantas. Qual o motivo de greve Cláudia?

Bom dia a todos, o motivo da greve de fome é inusitado. Segundo os grevistas, o prefeito de Santana das Pedras, uma cidadezinha do sertão, resolveu acabar com a democracia e se declarou rei do lugarejo. É isso mesmo que vocês estão ouvindo. Um prefeito do interior se declarou rei e decretou que quem falar mal do rei será enforcado e quem falar mal das religiões será excomungado e banido da sociedade de Santana das Pedras, censurou livros, músicas e obrigou os professores a ensinarem nas escolas que a terra é quadrada. O vereador João Rufino, do Partido Comunista e líder da oposição,  está fazendo uma greve de fome para  chamar atenção para essa situação e conseguir o retorno da democracia a Santana das Pedras. A greve acontece bem aqui em frente ao Palácio do Planalto, além dele mais quatro assessores estão fazendo a greve de fome. Hoje é o primeiro dia da greve  e eles dizem que só encerrarão o movimento quando a democracia voltar a Santana das Pedras. Estão pedindo a interferência imediata do presidente da República, do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e até da ONU e dos países democráticos do mundo. Vocês podem observar, pelas imagens que estamos mostrando, que muita gente chega por aqui alguns  para dar apoio aos grevistas e para dizer que eles são heróis em defesa da democracia e outros xingam os grevistas de vagabundos, esquerdopatas, vermelhos e chegam mesmo a torcer para que eles morram de fome. A polarização é grande aqui em frente ao Palácio do Planalto.  A presidência da República até agora não se manifestou sobre o assunto. Voltaremos com mais detalhes a qualquer momento. De Brasília Claudia Dantas para o jornal das oito.

A greve de fome de João Rufino já ia para o segundo dia e atraia cada vez mais atenção do público e da imprensa. Canais de TV e jornais do Brasil e do mundo montaram cobertura especial sobre o movimento grevista. Os repórteres entravam ao vivo, a todo momento, e mostravam a situação de João Rufino e os quatro assessores. A cada dia sem comer eles iam definhando visivelmente.  Alguns  deles já apresentavam sinais de fraqueza e a voz ia ficando rouca e fraca. Os olhos cada vez mais fundos.

Os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal foram ao local verificar as condições físicas dos grevistas e ficaram perplexos com os aspectos cadavéricos dos cinco manifestantes.  Impressionados, deixaram médicos, enfermeiros de plantão e uma ambulância para caso de necessidade.

O presidente da Câmara deu entrevista para televisão

– Estamos fazendo isso por ser um gesto humanitário. Não podemos permitir que valorosos cidadãos que estão lutando em defesa da democracia, morram em greve de fome. Precisamos encontrar uma saída politica para este impasse. Vamos nos reunir com o presidente da República e exigir providências urgentes. É inconstitucional que um prefeito de uma cidade do interior, ao seu bel prazer,acabe com a eleição, se declare rei. Isso é um golpe na democracia e nós não compactuamos com isso.  É a primeira vez que vejo isso acontecer mesmo no Brasil onde nada mais nos espanta.

O presidente do Senado também falou

– Acho um fato grave que um prefeito no interior do Brasil, aproveitando do isolamento da sua cidade, tenha dado um golpe e instalado um reinado no município. A greve de fome que está sendo feita aqui é justa por se tratar de reivindicar a volta da democracia e não podemos esquecer nunca que estamos em  um pais democrático que já passou por uma período terrível de ditadura em que muitos brasileiros valorosos foram torturados, mortos, desaparecidos, exilados. Não podemos aceitar que este tempo do arbítrio volte a ameaçar nosso País. Esse reinado pode ser a semente de um mal maior. Vamos combate-lo com coragem e bravura.

Já o presidente do Supremo Tribunal Federal afirmou que estava perplexo diante do caso do prefeito que acabou com a eleição e se declarou rei. “A Justiça saberá agir com rigor que o caso merece” disse ele.

No dia seguinte as manchetes estavam estampadas nos veículos de comunicação do mundo inteiro

UM PREFEITO DÁ UM GOLPE E INSTALA UM REINADO EM UMA CIDADE DO INTERIOR DO BRASIL

REINADO DE VOLTA AO BRASIL

PREFEITO QUE SE DECLAROU REI DIZ QUE A TERRA É QUADRADA

REINADO, EXCOMUNHÃO E PENA DE MORTE DE VOLTA EM UMA PEQUENA CIDADE BRASILEIRA

GREVE DE FOME PARA ACABAR COM O REINADO NO BRASIL

 

A noite na sua sala no Palácio da Alvorada, o presidente recebeu o presidente da Câmara, o presidente do Senado, alguns generais e ministros para discutir o assunto.

– Presidente, disse um dos generais, essa greve de fome tá se avolumando e já chama a atenção do mundo inteiro. É preciso fazer alguma coisa.

O presidente passou a mão nos cabelos e falou

-Eu por mim deixava esses esquerdistas morrerem de fome. Comida tem. Eles não comem porque não querem. Então o certo é deixar morrer esperneando que nem caçote no anzol. Era a melhor maneira de acabar com essa presepada. Se são eles mesmo que não querem comer? Que culpa eu tenho? Que morram de fome.

Os presidentes da Câmara e do Senado argumentaram

-Presidente, na condição de representantes do parlamento brasileiro estamos aqui para reivindicar uma providência urgente para acabar com o reinado lá nesta cidade do fim do mundo, voltar a democracia para que os grevistas parem com a greve de fome e tudo volte ao normal.

-Presidente essa greve de fome tá gerando uma crise política que está desestabilizando o governo. Saiu ontem uma pesquisa na Folha de São Paulo e 70% da população é a favor dos grevistas. E nós, como representantes do parlamento, para continuarmos votando medidas do seu governo exigimos que o senhor acabe com essa loucura desse prefeito. Pelo amor de Deus. Isso é uma piada de mau gosto que não pode continuar. Será que o Brasil nunca vai deixar de ser chacota internacional? Vamos acabar com isso e mostrar que somos uma nação de respeito.

Um general falou

-Olhe o melhor que o senhor faz é ligar para esse prefeito maluco lá de Santana das Pedras e mandar ele acabar com esse tal de reinado.  Só assim as coisas se acalmam.

-É mas eu achei a ideia dele muito boa. Sabe que eu também tenho vontade de   instalar o reinado no Brasil?

-Isso é impossível presidente. Vivemos em uma democracia. O senhor sabe disso, falou seriamente o presidente do Senado.

A repercussão da greve de fome de João Rufino foi tão intensa que até o Papa se manifestou sobre o assunto. O sumo pontífice pediu aos fieis que rezassem por aqueles homens corajosos que estavam se imolando em defesa da democracia e da igualdade social e cobrou das autoridades brasileiras uma rápida solução para o problema. A ONU também expressou sua preocupação com o caso e, em nota, disse esperar que tudo se resolvesse para que as vidas dos grevistas fossem poupadas e que os valores democráticos continuassem sendo pilares da sociedade em todo o mundo.

Corte para o Palácio da Alvorada em Brasília

– Alô, prefeito de Santana das Pedras, aqui é o presidente da república. O senhor tá acompanhando a confusão aqui em frente ao Palácio, por causa desta greve de fome que está sendo feita pelos esquerdistas pelo fim do reinado e pela volta da democracia ai em sua cidade?

– Bom dia meu presidente. Maior presidente que esse País já teve.  Claro que, tô acompanhando essa cruera, essa pinginzuoba que o cabruquneto do João Rufino tá fazendo ai. Eu deveria ter enforcado esse pulguento e hoje ele não estaria aparecendo assim em rede nacional. Se arrependimento matasse eu estaria morto a esta hora.

– Pois é. É o que eu digo sempre, deixar esquerdista vivo dá nisso e agora o problema caiu de paraquedas no meu colo e tá todo mundo me culpando por causa disso. Se esses esquerdistas morrerem por causa desta greve de fome é capaz do Congresso Nacional cassar o meu mandato.  É preciso que esse vereador da sua cidade  acabe com esta greve o mais rápido possível. Temos que pensar em uma solução urgente para esse problema ou então eu tô enrolado. Nem os militares vão ficar do meu lado se a opinião pública ficar contra mim. Á água começou a bater no pescoço. Até o Papa falou hoje sobre o assunto, a ONU divulgou nota. Vamos dar um jeito urgente de acabar com essa presepada desse vereador e seus assessores.

O prefeito que se dizia rei, ao ver o presidente naquele aperreio da moléstia, tentou acalmá-lo.

– Presidente eu te garanto que essa greve não dura mais nem um dia. Eu tenho a solução. Palavra do rei de Santana das Pedras.

– E qual é a solução? Você sabe que mandar a polícia baixar o cacete nesses vermelhos desocupados não é o melhor negócio nesse momento. Eles estão fracos por causa da greve de fome e se eu mandasse a polícia descer a madeira neles, o povo e a imprensa iriam me condenar. Iriam até me acusar de crime contra a humanidade. Principalmente agora depois que o Papa e a ONU se solidarizaram com ele. Então temos  que pensar em outra saída. Urgente.

– Olha meu presidente a vontade que eu tenho é dar uma surra de vergalho de boi neste João Rufino e na turma dele pra eles saberem que com rei não se brinca,  mas, por enquanto vamos utilizar métodos menos radicais. Vou mandar uma força tarefa de Santana das Pedras até Brasília para resolver rapidamente o problema e acabar com a greve de fome num piscar de olhos. O senhor vai ver. Eu tenho minhas catilogências.

– Como assim? O senhor vai mandar uma força tarefa aqui para Brasília para acabar com a greve de fome. Que tipo de força tarefa é essa?

– Calma presidente. Confie na minha vissunagem. O senhor acha que eu seria rei se não soubesse de muita vissunagem? Olha, a força tarefa a que me refiro é o Zé do Espetim, Dona Vera da Galinha Caipira, Tonho do Mocotó, Jureba da Buchada, Nita do Sarapatel e Maria do Cuscuz com ovo e paçoca de carne seca.

O plano é o seguinte. Essa comidaíada toda vai ser preparada, amanhã, bem na frente dos grevistas. Repare só: Se o cabra de barriga cheia num resiste ao cheiro destas iguarias daqui do sertão, imagine o cabra que tá com três dias sem comer? Quando sentir o cheiro da comida quentinha borbulhando na panela, nem o Bom Jesus da Lapa consegue segurar a greve de fome deles. Vão esquecer a greve e cair pra dentro que nem bode no milho e ai acaba a greve de fome  e eles ficam desencachorrados e o senhor ainda sai como o grande estadista que debelou a greve de fome sem precisar de recorrer a outros expedientes, a outros meios, tá me entendendo presidente?

O presidente deu risada.

– Agora entendi. Ficou muito claro. Muito boa a sua estratégia. Muito bem pensado, muito bem pensado. Tá Ok.

-Eu sabia que o senhor iria gostar. Amanhã mesmo a turma chega ai em Brasília às 4 horas da manhã e as cinco já estarão cozinhando bem no lugar onde João Rufino está fazendo a greve de fome ai em frente ao Palácio. Devo dizer que eu preferia mesmo é que eles morressem de fome, principalmente essa peste do João Rufino, esse caburé de oreia desrespeitou o meu reinado e promoveu este bafô, este fuá, este patacuê de orelha ai em Brasília que envolveu até um homem sério como o senhor que tem tanto a fazer pelo Brasil. Mas ele não perde por esperar. Eu tô quiabando para pegar ele e dar uma surra de criar bicho. Alias, na próxima vez que eu pegar ele não tem escapatória, é forca. É forca. Sem misericórdia.

– Muito bem prefeito, muito bem. Agora estou mais aliviado e tenho certeza que sua tática vai ser um sucesso.  Me  responda uma coisa, me satisfaça uma curiosidade: ouvir dizer que o senhor descobriu que a terra é quadrada? É verdade isso?  É quadrada mesmo? Como foi que o senhor descobriu isso?

– Sonhei com rei Herodes e de rei para rei ele me contou que a terra é quadrada.

O presidente respondeu

– Olha meu caro rei de Santana das Pedras. Aqui no meu governo tem gente que acha que a terra é plana mas que a terra é quadrada é a primeira vez que ouço falar. É uma teoria interessante. Pode ser que o senhor tenha razão. O senhor tem certeza que a terra é quadrada mesmo?

– Certeza absoluta.  Pode acreditar,  palavra de rei, a terra é quadrada. O senhor vai ter que obrigar os professores a ensinar nas escolas que a terra é quadrada. Tem que entrar no currículo escolar. O senhor vai entrar para a história como o presidente que determinou que a terra não é redonda, nem plana e nem oca. É quadrada.

-Isso é muito interessante. Pode dar certo. Tem muita gente que vai me seguir mas, voltando ao nosso assunto, jogue duro. Eu preciso dar uma resposta o mais rápido possível para o povo principalmente agora que o meu adversário, o ex-presidente, líder da esquerda, foi recebido em audiência  pelo Papa,  no Vaticano com todas as honras e foi manchete na imprensa do mundo todo e, como se não bastasse,  ele ainda foi agraciado com o título de cidadão de Paris, como é que pode os franceses me aprontar uma desfeita desta? É o fim do mundo. Preciso fazer alguma coisa para  não ficar por baixo nesta briga. Preciso receber uma honraria com a mesma importância.

–  Fique tranquilo presidente. Nós vamos dar a resposta ao Papa e aos franceses e vamos desmoralizar os vermelhos.

– Como? Me explique ai?

– Vou dar  ao senhor o título de cidadão de Santana das Pedras, é muito mais importante do que título de cidadão de Paris. O senhor não acha?

– É…bem…quer dizer,,,ou seja….Se o senhor tá dizendo eu acredito

– Pois pode acreditar.  O título de cidadão de Santana das Pedras será o único que o senhor receberá de um autentico rei, o seu adversário receberá título das mãos de um rei? Nunca. Jamais. Pense nisso. O senhor vai sair por cima da briga e tem outra: não podemos esquecer que foram os franceses que fizeram uma revolução e derrubaram os reis, inclusive mandando alguns para a guilhotina. Foram eles que inventaram esse negócio de direitos universais dos cidadãos, essas coisas a favor dos vagabundos, dos zé borracha e contra nós homens sérios. Não podemos confiar nesta gente. É por isso que lhe digo: o título de cidadão de Santana das Pedras que o senhor receberá é muito mais importante do que o título de cidadão de Paris que o seu adversário  recebeu.

– Ta Ok, Ta Ok, mas voltando ao assunto da greve de fome que hora chega o seu pessoal aqui para acabar com isso?

– Amanhã eles já estarão ai por volta das 4 horas da manhã. Já mandei providenciar transporte e todo o suporte necessário para eles trabalharem ai amanha. Pode ficar tranquilo, vai dar tudo certo, inclusive o líder da greve, o vereador João Rufino, é doido por uma buchada de bode, do jeito que ele tá há três dias sem comer, na hora que ele sentir o cheiro de buchada de bode com pimenta malagueta, vem bater em cima que nem um desesperado, igual raposa quando sente cheiro de cachaça. Vai ser igual a jegue no mandacaru. Vai ficar grudado no prato igual sucuri quando gruda no pescoço de um bezerro, num solta nem com reza braba. Pode acreditar meu presidente.

– Tá ok rei, então até amanhã

– Até amanhã presidente.

Na manhã seguinte João Rufino despertou sob o vento frio do cerrado e ainda dentro da barraca onde estava acampado durante a greve de fome, estranhou quando começou a sentir um cheiro delicioso de cuscuz quentinho com ovo, manteiga e paçoca de carne seca.

– Esses três dias de greve de fome mexeram com o meu juízo. Já comecei a ter alucinação, tô sentindo um cheiro gostoso de cuscuz com ovo e paçoca de carne seca  igual ao que se faz lá em Santana das Pedras – pensou.

Mal olhou para o lado e viu que não era alucinação. Teve uma tremenda surpresa, ao ver um dos seus assessores, agarrado num cuscuz com ovo e paçoca de carne seca e comendo que nem um jacaré e já pedindo mais dois. E dizendo o tempo todo. “Eita trem gostoso é cuscuz com ovo e paçoca de carne seca, traz mais um prato ai menino que tô é três dias sem comer. Num sei onde eu tava com a cabeça quando me meti nessa greve de fome. Isso é coisa do cabrunco, deixa o cabra virado na cloroquina. Arre égua”

O assessor ao perceber o olhar furioso de João Rufino tentou se emendar

– Desculpe João, num guentei não. A fome tava demais. Parece que tinha um esmeril roendo as tripas. Eu já tava pra entrar em coma. O arrocho tava grande  e quando eu vi este cuscuz com ovo, paçoca de carne seca e esse cafezinho quente, eu tentei resistir o quanto pude, mas foi impossível. O jeito foi cair pra dentro. E tá bom que tá danado. É melhor você vir comer também e largar essa burrage de greve de fome ou então você vai morrer estrebuchando igual bode no matadouro.

Foi ai que João Rufino percebeu que era um golpe do rei de Santana das Pedras para acabar com a greve de fome e abafar o caso. Rapidamente ele reagiu, chamou os três que ainda não haviam comido o cuscuz e orientou. “Não entre nesta provocação. Isso é sinal que o nosso movimento deu certo, atraiu a atenção da imprensa nacional e internacional e o farsante rei de Santana das Pedras entrou em desespero e mandou esses cozinheiros dele aqui, fazerem essas comidas na nossa frente, apostando na nossa fraqueza para desestabilizar nosso movimento. Um dos nossos caiu nessa esparrela e mordeu a isca. Tenho certeza que os senhores são homens de fibra e de coragem e não vão se deixar levar por um prato de comida. Resistam ao cheiro, tapem o nariz, desviem o pensamento, pensem em outra coisa. Resistam. Sejam fortes. A volta de democracia é mais importante do que um prato de cuscuz com ovo e paçoca de carne seca”.

Um dos assessores, bambo das pernas, zambeta dos olhos, com uma fome miserável, advertiu

– É a amigo João, o cuscuz com ovo, manteiga e paçoca de carne seca são armas poderosas. Olhe em volta e veja a imprensa nacional e internacional toda tá comendo do cuscuz e lambendo os beiços. Acho que eles entenderão se fizermos o mesmo. Ou a gente come ou gente morre! Você não acha?

– Nada disso. Se fizermos isso estaremos fazendo aquilo que o prefeito que se diz rei, quer que façamos. Vamos resistir e continuar a greve de fome. Só assim derrubaremos o reinado e faremos a democracia voltar a Santana das Pedras.

A muito custo, João Rufino consegui  que os três assessores resistissem bravamente ao desejo de matar a fome. O próprio João Rufino admitiu ser uma jogada de mestre do rei. Não era coisa fácil suportar aquele cheiro delicioso estando a três dias sem comer. Ele mesmo tivera que fazer uma força danada para não capitular. O estomago doía, a boca escumava e uma tontura tomava conta do corpo, os olhos escureciam.

Por volta das 10 horas da manhã, o negócio ficou ainda pior. Um cheiro de espetim de carne e linguiça caseira dominou o ar.

Um dos assessores, ao sentir o aroma, abriu os braços e gritou,”Valei-me meu Bom Jesus da Lapa, meu Senhor dos Aflitos, que a democracia me perdoe mas eu num aguento mais passar fome”, e pulou em cima do carrinho de espetim. Quando João Rufino olhou, o cabra já tava com dois espetinhos, um em cada canto da boca, dois nãos mãos, engolindo um atrás do outro num desespero de dar dó. Agora só restavam ele e mais dois assessores. O que fazer?

Com muito custo foram resistindo a fome cada vez mais voraz

Por volta do meio dia um aroma de buchada de bode temperada na pimenta de cheiro se alastrou na frente do Palácio do Planalto. João Rufino pensou: Ou eu como ou morro de fome e, se  esquecendo de democracia, de direitos humanos, de justiça social, de igualdade de direitos, se agarrou num prato de buchada de bode e  comeu por três vezes até o suor pingar da testa do líder esquerdista, os assessores esses, nem se fala,  comeram ainda mais e a greve de fome chegou ao fim.

A IMPRENSA NOTICIAVA O FATO

O apresentador do jornal das oito na TV fez a seguinte chamada: URGENTE. ACABOU A GREVE DE FOME EM BRASÍLIA QUE ESTAVA SENDO FEITA POR CINCO MANIFESTANTES CONTRA O REINADO QUE FOI IMPLANTADO EM UMA PEQUENA CIDADE DO INTERIOR DA BAHIA. NOSSA REPÓRTER SANDRA DANTAS ESTÁ NO LOCAL E TEM MAIS DETALHES. BOM DIA SANDRA;

Bom dia. Realmente acabou agora a greve de fome pelo fim do reinado em Santana das Pedras. Os grevistas não resistiram a uma tática do rei de Santana das Pedras que mandou aqui para o local da greve, uma força tarefa composta por cozinheiros que capricharam no cardápio, cuscuz com ovo e paçoca de carne seca, sarapatel e buchada de bode, mocotó, entre outras iguarias do sertão. Os grevistas que estavam a três dias sem comer ao sentirem o cheiro desse delicioso cardápio sertanejo, pularam dentro com uma disposição que chamou a atenção de todos. Estamos aqui com o líder do movimento, o vereador João Rufino. Vereador foi impossível resistir ao cheiro da buchada de bode?

– É, realmente, o prefeito que se diz rei entrou em desespero ao ver que o nosso movimento estava crescendo e que iriamos derrubá-lo do poder e deu esse golpe baixo. Quem é do sertão, tando de barriga cheia num aguenta sentir cheiro de buchada de bode, imagina quem tava que nem nós aqui com vários dias sem comer. Mas isso não ficará assim, levarei o protesto a ONU e vou pedir aos nossos deputados no Congresso Nacional que apresentem um projeto proibindo buchada de bode e cuscuz com ovo em greve de fome. Isso é uma covardia contra os grevistas e é contra a democracia e os direitos humanos. Fica registrado o meu protesto.

 

O presidente que acompanhava a transmissão do seu gabinete, ligou para o rei de Santana das Pedras

– Você é um gênio, os homens num guentaram nem de manha até meio dia

-Eu sabia presidente, esse povo da esquerda  num pode sentir um cheiro de carne de bode que larga tudo e cai pra dentro, morra quem morrer.

Olha presidente acho que a gente deve aproveitar o momento e o senhor vir aqui em Santana das Pedras receber o título de cidadão de nossa cidade. Vamos fazer uma grande festa para o senhor.

Assim foi feito. O presidente foi a Santana das Pedras, recebeu o título de cidadão e o reinado continuou ainda por algum tempo. Mas não durou muito. O Supremo Tribunal Federal se manifestou a respeito do assunto e disse que não podia haver reinado no Brasil, cassou o mandato do prefeito que se dizia rei e ainda decretou a prisão do soberano alegando que ele havia atentado contra a constituição ao criar o reinado e estabelecer pena de morte, coisa que a lei não permitia.

O prefeito que se dizia rei, não chegou a ser preso. Escapou ou como diz o povo, “anoiteceu e não amanheceu”. Se picou, escafedeu. Hoje em dia vive um velhinho já perto dos 100 anos no povoado da Barrinha nos confins do sertão. A noite ele  reúne as crianças para contar que no passado já foi rei. Os meninos ouvem e dão risadas do delírio do velhinho. Não se sabe se é o mesmo mas bem que pode ser.

O certo é que  em muitas  cidades do interior, o poder é passado de pai para filho, de filho para neto. Nestes lugares  a democracia não passa de um nome, uma ficção, na verdade  não se sabe nem o que é.  A única função do povo é votar. Fora disso permanecem todos sem direito algum. São cidades onde o reinado sempre foi o modelo de governo e, pelo jeito, vai continuar a ser por muito tempo ainda.

INTÉ.

FIM

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