EPISÓDIO DE HOJE: RUI CABURÉ EM APUROS
Era fim de tarde quando o prefeito mandou o segurança Rui Caburé ir até a mansão ver como estava a obra e cobrar pressa dos trabalhadores pois ele queria se mudar logo. Ao chegar lá, Rui Caburé estranhou ao ver a peaozada de olhos esbugalhadas debaixo de uma árvore. Alguns estavam amarelos de medo.
– O que aconteceu para vocês tarem aqui neste paradeiro? Tão pensando que tão de férias é? O prefeito quer que a obra ande rápido. Ele tá doido para mudar para cá. Vamos rápido com isso que o prefeito não é homem de esperar. Tão me entendendo?
Gritou Rui Caburé com seu jeitão desaforado
Um dos trabalhadores se adiantou e foi logo avisando
– Pois diga ao prefeito que aqui nós não trabalhamos mais. Ele pode contratar outros, ainda hoje se quiser. Aqui não ficamos mais nem um minuto.
– Oxente e porque? Vocês estão com uma cara espantada! Viram alma do outro mundo foi?
– Não vimos mas foi como se estivéssemos vistos. Neste calor da peste, de repente, em dois minutos, bateu um vento gelado que todo mundo ficou tremendo, e para acabar de completar, um urubu apareceu, cantou no galho daquela árvore e roncou igual uma porca prenha. O bicho tinha um jeito horrível de cantar e não parecia ser coisa desse mundo. De repente, uma voz que ninguém sabe de onde veio, disse que se o prefeito não desistisse da tal barragem e não cuidasse do cemitério o mais rápido possível, esta casa iria desabar ainda esta semana e pelo jeito o defunto estava com raiva pois a voz do bicho tava parecendo de um gambá uivando no mato, uma coisa medonha que eu nunca tinha visto na minha vida. Tô tremendo até agora. Me apeguei com o Senhor dos Aflitos para ele nos defender neste momento de aflição.
Rui Caburé começa ri da história e desdenha
– Você tá ficando é doido. Onde já se viu dizer que defunto venha ao mundo dos vivos fazer ameaça? Onde já se ouviu falar que urubu canta? Voltem ao trabalho que o prefeito precisa se mudar com urgência.
Nisso, para espanto de todos, aparece Manoel de Rosa que tinha morrido fazia uns 1o anos. Ruy Caburé, ao ver o defunto ali na sua frente, tremeu de medo mas fingiu coragem.
– Deixe de livusia. Ou eu meto bala em você. Tá pensando que eu tenho medo de defunto. Eu nunca tive medo de vivo vou ter medo de morto? Ora tá!
O defunto respondeu sem meias palavras
– Você é bom para matar quem tá vivo. Agora quero ver se você é bom mesmo é se matar um morto. Vamos atire. Atire. Tá com medo cabra frouxo.
Ruy Caburé puxou a cartucheira, apertou o gatilho, disparou várias vezes e as balas atravessaram o corpo do defunto como se fosse fumaça. Ruy tornou a atirar e a mesma coisa aconteceu, as balas atravessavam o corpo do defunto e não faziam o menor efeito. O defunto permanecia em pé com um sorriso medonho no rosto.
Suado, tremendo, Rui tentou correr mas as pernas travaram e ele não conseguiu sair do lugar. Parecia carro quando atola. O defunto gargalhou
– Oxente você não disse que era macho? que fazia e acontecia? Então mostre que é bom e mate quem já tá morto? Quero ver. Vamos. Atire. Me mate que eu já tô morto. Quero ver morto morrer.
Pálido, tremendo, sentindo um suor frio na cagunda, Rui Caburé experimentou pela primeira vez o que era ter medo de verdade. Por mais que tentasse correr não conseguia. As pernas estavam travadas. “Dessa não escapo, vou sentar no colo do capeta” pensava ele enquanto o defunto dava risadas do outro mundo.
Manoel de Rosa – que tinha pra mais de 10 anos de falecido – disse que apesar de Ruy Caburé ser um sujeito ruim, de má índole, que já tinha matado mais de 20, iria dar uma chance para ele. E ordenou com voz de trovão.
_ Olhe vou deixar você ir embora mas você vai sair daqui e vai direito ao gabinete do prefeito. Não pare em lugar nenhum nem para mijar, em lugar nenhum, entendeu?
-Sim senhor seu digníssimo e excelentíssimo defunto.
Ruy Caburé conseguiu balbuciar que havia entendido a ordem e Manoel de Rosa continuou.
– Deixe de me chamar de digníssimo e excelentíssimo senhor defunto que eu não sou político e não gosto de pucha saco. Agora arriba, vá e avise ao prefeito que desista hoje de fazer barragem em Santana das Pedras e se ele já tiver recebido propina que devolva com urgência mas não leve esse projeto adiante. E tem mais: se o cemitério não for devidamente arrumado para que os nossos parentes vivos possam nos visitar e fazer as suas orações por nossas almas, nos vamos derrubar essa casa que ele tá construindo com o dinheiro de propina e vamos derrubar a prefeitura com ele dentro e tudo. Entendeu bem? Não queremos barragem em Santana das Pedras. Precisamos imediatamente é da reforma total do cemitério. Diga a ele que fomos nós, os mortos, que derrubamos o muro do cemitério. Foi só um aviso para o que ainda pode vir. Se ele tá pensando que brigar com defunto é o mesmo que brigar com gente viva, tá muito enganado. Ele que espere pra ver. Agora pode ir, chispa daqui e leve o recado do jeito que eu estou falando. Ouviu bem?
– Sim, senhor – tornou a balbuciar Rui Caburé que nem parecia aquele homem valente com fama de matador. Amarelo de medo, ele saiu pela estrada em desabalada carreira, a velocidade era tanta que as pernas de Rui Caburé iam batendo na bunda e levantando poeira na estrada. Os trabalhadores abandonaram a obra e também trataram de se escafeder.
LEIA AMANHÃ PRÓXIMO CAPÍTULO DA MINISSÉRIE “A REVOLTA DOS DEFUNTOS”