O ASSUNTO SE ESPALHA EM SANTANA DAS PEDRAS
Como todos já sabem Rui Caburé era considerado o homem mais valente e cruel de Santana das Pedras. Por conta disso, fora escolhido para ser o segurança do prefeito. Era famoso por já ter matado uns 20. Por isso foi uma enorme surpresa quando o povo, viu Rui Caburé passar naquela carreira, batendo os pés na bunda, levantando poeira na estrada, os olhos arregalados parecendo querer saltar da órbita.
Todo mundo logo quis saber o que havia acontecido para o homem mais brabo e mais temido do sertão passar por um vexame daquele. Os trabalhadores da mansão do prefeito se encarregaram de contar, por meio do BOCANET, o que havia acontecido.
No bar do seu Odilon esse era o assunto.
– Eu falei para ele não turrar com defunto. Ele não acreditou e veja o que aconteceu. O defunto botou ele para correr de uma forma que ninguém nunca pensou.
– É rapaz, brigar com gente vivo é fácil agora brigar com defunto é outro conversa. Ainda bem que ele viu com os próprios olhos, disparou diversos tiros no defunto e foi mesmo que nada. As balas não faziam efeito e Rui Caburé percebeu que o caso é muito mais serio do que ele imaginava.
Asseverou Nezim Batedor de Sino e continuou
– Dizem que as pessoas que ele matou já prometeram vingança e aproveitaram que o muro do cemitério foi derrubado, saíram das covas e agora vão atrás dele.
Seu Odilon serviu mais uma rodada de cerveja para uns fregueses e concordou.
– É rapaz, o que o povo diz no BOCANET é que ele matou mais de 20. Não sei se foi isso tudo, mas se foi vai sofrer um bocado com 20 defuntos na batida dele todo dia, num vai ter sossego. Num vai guentar muito tempo não. Ou endoida ou bate a cassuleta é logo. Vai ser um remulengo danado. Eu é que não queria ter essa defuntada atrás de mim com sede de vingança. O senhor Bom Jesus da Lapa que me livre desta má hora.
Comentou seu Odilon
– Também acho seu Odilon, também acho. Eu é que num quero saber de brincadeira com quem já morreu. O sujeito defuntou eu rezo todo dia para que nosso senhor o receba no paraíso seja ele quem for.
– Eu pela mesma forma – enfatizou seu Odilon.
RUI CABURÉ CHEGA AO GABINETE DO PREFEITO E CONTA O QUE ACONTECEU
Como é que é negócio? Um defunto lhe fez correr e chegar aqui nesse alvoroço todo, com esse olho de gambá misturado com cágado todo esbugalhado? Que tipo de segurança é você, seu Rui Caburé, que tem medo de quem já morreu? Se tem medo de quem já morreu, agora cê calcule de quem está vivo. Tô bem arranjado com um segurança que treme de medo de defunto. Home quá. Onde fui amarrar meu jegue.
Bradava o prefeito sem acreditar no relato do seu capanga.
Rui Caburé, todo desgrenhado, com o cabelo arrepiado, com os olhos estufados igual sapa em noite de chuva, amarelo, tremendo, tropeçando nas palavras, tentava explicar o que havia acontecido.
– Seu prefeito, eu nunca passei um breguço desse em minha vida. Tô aqui todo mamulengo com o que vi. Manoel de Rosa, que o senhor conheceu bem e que era seu eleitor, que já tem pra mais de 10 anos que morreu, pariceu de repente, não sei de onde, igual um vulto num sabe. Disse que eu era bom para matar gente viva e queria ver se eu era bom mesmo era se eu matasse quem já tava morto. Passei a mão na cartucheira – que eu num só homem de correr do perigo – e meti bala. Sabe o que aconteceu?
– Não. Me conte – dizia o prefeito querendo saber onde iria parar o rumo daquela prosa sem pé nem cabeça.
– Pois as balas atravessavam o corpo do defunto feito fumaça e o homem permanecia de pé como se nada tivesse acontecido. Eu nunca tinha visto um trem desse. Depois ele ficou dizendo “atire de novo” eu atirei e foi a mesma coisa, as balas passaram como se não tivesse ninguém. Nessa hora eu comecei a tremer, as pernas paralisaram, fique patinando que nem jegue na ladeira. Eu queria falar e a voz não saia, num sabe?
É mesmo! Admirou-se o prefeito com aquela história maluca.
Rui Caburé continuou.
– Ele ordenou que eu desse o seguinte recado ao senhor: que o senhor tem de parar com esse negócio de barragem, devolver a propina que o senhor recebeu e, imediatamente, arrumar o cemitério. Se tudo isso não for feito, ele e as outras almas vão derrubar a mansão que o senhor tá construindo, que segundo ele é com o dinheiro de propina que os gringos pagaram para o senhor deixar eles fazerem a tal barragem. Ele ainda garantiu que vem junto com os defuntos derrubar a prefeitura com o senhor e com todo mundo dentro.
– Valei meu São Benedito, tenha pena de nós meu Senhor dos Aflitos, meu Bom Jesus da Lapa. Num deixai uma desgraça dessa acontecer com a gente não.
Bradou a secretária dona Cândida, se ajoelhando, fazendo o sinal da cruz e caindo no choro.
Ruy Caburé prosseguiu o relato
– Os trabalhadores que estão fazendo o serviço na sua mansão mandaram avisar que eles não vão lá mais não. Que o senhor procure outros, que eles não querem briga com defunto não. Tá todo mundo apavorado de medo.
O prefeito não acreditava no que estava ouvindo
– Isso é crendice popular. Esse povo daqui acredita em tudo. Isso deve ser o miserável do meu adversário João Rufino que está inventando essas presepadas para sujar meu nome na opinião pública. Não consegue me derrotar no voto e inventa essas vissunagens se aproveitando da burrage do povo.
Ruy Caburé rebateu o prefeito
– Não foi João Rufino não seu prefeito. Isso é coisa do outro mundo. Eu garanto que é defunto mesmo que tá fazendo isso. Pode acreditar. Eu vi com meus olhos. E por falar nisso eu quero pedir demissão do cargo de segurança. O senhor sabe: já matei mais de 20, e agora com o cemitério sem muro, com os defuntos soltos pelas ruas, fazendo e acontecendo, o senhor já pensou se esses defuntos resolvem me perseguir para se vingar do que eu fiz com eles? Tô no pau da goiaba. Quero minha demissão. Vou me embora de Santana das Pedras ainda hoje. Matar gente vivo para mim sempre foi fácil agora matar quem já tá morto. Isso eu num aprendi não. Quero dar no pé daqui o mais rápido possível. Num fico aqui nem um dia mais. Num quero saber desse negócio de matar quem já morreu. Quero ir embora.
LEIA AMANHÃ O PRÓXIMO CAPÍTULO DA REVOLTA DOS DEFUNTOS