NO CAPÍTULO DE HOJE JOÃO RUFINO É INTERROGADO. O REI LHE CONCEDERÁ PERDÃO E O CARGO DE BOBO DA CORTE SE ELE, RETIRAR O QUE DISSE A RESPEITO DO SOBERANO. JOÃO RUFINO SE RECUSA E É PRESO. UM RIBOSEIFEIO DANADO EM SANTANA DAS PEDRAS.
A PRISÃO DE JOÃO RUFINO
O Rei não perde tempo e começa a falar com rispidez
– Reuni os senhores aqui para informar que vou condenar a forca, o miserável, o cabruquento, o ruduleiro de vazante do João Rufino. Os senhores sabem que mesmo eu sendo rei e que ninguém pode falar mal do rei, ele teve o desplante de ir a Brasília e me denunciou e ainda insuflou um deputado bunda suja da esquerda para fazer um discurso contra mim em plena Câmara. Eu não aceito isso. Eu sou o rei. Minha palavra é a ordem e a lei neste reinado de Santana das Pedras.
– O senhor tem razão majestade e tem mais: o João Rufino, além de ter afrontado a vossa real pessoa, ainda acusou Os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso de terem sido comprados por vossa majestade. João Rufino é um desclassificado e que não merece piedade. Pau nele.
– Mande a guarda real trazê-lo. Primeiro ele será interrogado pelos Conselheiros, para darmos uma aparência de legalidade à condenação daquele caboge, cara de jegue engasgado com mandacaru.
O prefeito que se declarou rei, falava espumando pelo canto da boca. A raiva fazia os olhos faiscarem.
–
JOÃO RUFINO É ARRASTADO PARA SER OUVIDO PELO CONSELHO DOS NOBRES E PELO CONSELHO RELIGIOSO
João Rufino estava em sua casa quando bateram a porta. Ele abriu e foi imediatamente agarrado por cerca de vinte homens fortemente armados. Esperneando, sem se entregar facilmente e mostrando coragem, João Rufino protestava com veemência.
– Isso é uma arbitrariedade. Não podem fazer isso comigo. Sou um vereador eleito pelo povo, sou o líder da oposição nesta cidade. Vocês vão se arrepender do que estão fazendo.
De nada adiantaram os protestos do líder esquerdista. O povo assistia a cena. Muitos apoiavam por considerar João Rufino um elemento perigoso por ser de esquerda e por desrespeitar o rei. Mas havia quem entendesse aquilo como uma demonstração de autoritarismo do prefeito que se declarou rei. Esses ficavam calados com medo da forca. O certo é que João Rufino foi levado aos empurrões a presença dos Nobres Conselheiros do Rei e do Conselho Religioso para ser interrogado.
– Senhor João Rufino, queremos adverti-lo que o senhor, diante desta corte tem a chance, por bondade do nosso amado rei Carlos I, de retirar todas as ofensas e se declarar súdito leal do rei e com isso ficar livre da terrível condenação que pode cair sobre você.
Disse, em tom grave e solene um dos Nobres Conselheiros do Rei
Ainda zonzo com os sopapos que havia tomado, João Rufino tentava raciocinar
– Me declarar o que? Perguntou ele, revoltado com aquela situação inusitada.
– Declare-se súdito leal do rei – ordenou novamente o Conselheiro.
-Que rei? Vocês estão doidos? Que loucura é essa? O tempo do reinado já se foi há muito tempo. Estamos em um país democrático e que vive sob o império da lei. Não reconheço rei nenhum.
O Conselheiro fez nova advertência
– Veja bem, preste atenção! Santana das Pedras vive sob o império da lei e a lei aqui é o nosso rei. Declare-se súdito do rei e o senhor será perdoado pelos crimes cometidos.
João Rufino ficou olhando para Os Nobres Conselheiros do Rei. Conhecia os todos. Há poucos dias eram apenas vereadores e, agora, estavam ali vestidos naquelas roupas ridículas como se estivessem voltados mais de 200 anos atrás e se achando figuras importantes de um reinado delirante que eles mesmos decretaram. Incrédulo com aquela situação João Rufino se perguntava perplexo: como foi que chegamos a esse ponto? E o povo como é que aceita essa imposição do prefeito que agora se diz rei? João Rufino foi arrancado daqueles pensamentos pela voz do Conselheiro.
– E então? O senhor vai se declarar súdito leal do rei e pedir perdão ao nosso soberano?
João Rufino mesmo não conseguindo entender aquela realidade afrontosa, rebateu com os argumentos que lhe vieram a cabeça
– Sou vereador eleito pelo povo desta cidade, sou um defensor da democracia e não reconheço reinado, não sou súdito de ninguém e não cometi crime algum.
– Então quer dizer que o senhor não tem conhecimento que, por ordem do rei a Câmara Municipal foi fechada e aqui não existe mais vereador e nem eleição e muito menos esta tal de democracia? O senhor não considera crime ter ofendido o nosso amado rei, pai da pátria de Santana das Pedras? Perguntou um dos Conselheiros ao tempo em que outro lançava outra pergunta
– O senhor não considera crime dizer que o rei comprou os Nobres Conselheiros e o Conselho Religioso? São dois crimes que o senhor praticou: um de lesa majestade e outro de heresia. Nós estamos lhe dando a oportunidade de se regenerar, voltar a ser um cidadão honrado e ser reintegrado a sociedade. Convencemos o nosso rei a lhe oferecer o perdão pelo fato do senhor ter sido nosso colega na extinta Câmara Municipal, mesmo o senhor sendo de esquerda, defensor de ideias como direitos humanos, liberdade de expressão, igualdade social entre outras sandices, estamos lhe dando essa oportunidade. Queremos informa-lo que, caso o senhor peça perdão e se declare súdito do rei, por bondade do soberano, o senhor terá um bom salário para exercer um cargo importante no reinado.
– Cargo importante? Que cargo? Vocês estão tentando me subornar para calar minha boca e para que eu não denuncie estas barbaridades que estão acontecendo em Santana das Pedras. É isso?
Revoltado com a petulância de João Rufino, o Conselheiro retrucou de forma áspera
– Não é nada disso. Não estamos querendo suborná-lo. O senhor terá o cargo de bobo da corte e terá a oportunidade de fazer patetices, peripécias, presepadas, rebosofeias, relepregos, gragolinagens, parangolés diversos, urubuzadas mil, para divertir o nosso rei. O que acha? É a grande chance que o nosso amado rei está lhe oferecendo. Ou você aceita ou vai ser enforcado em praça pública.
João Rufino foi tomado por um ódio ainda maior, sentiu a barba espetar o rosto e respondeu com raiva.
– Peguem o cargo de vocês e enfiem naquele lugar ou chamem a mãe de vocês para ser o bobo da corte. Podem jogar a consideração de vocês na lata de lixo, no esgoto, onde vocês quiserem! Eu vivo sob a lei brasileira e no Brasil não existe reinado e nem pena de morte e se eu for enforcado vocês responderão por assassinato. O que está acontecendo aqui é uma alucinação desse prefeito incompetente, deste ditadorzinho do sertão. Não reconheço este delírio que vocês chamam de reinado. Estamos em Santana das Pedras, um município brasileiro como outro qualquer e não em um reinado. Tirem as vendas dos olhos e vejam as coisas com clareza. Tenho muito mais o que fazer do que ficar aqui ouvindo essas lorotas dos senhores que, alias, parecem vestidos para uma festa a fantasia. É isso que virou Santana das Pedras, uma cidade fantasiada de reinado. Isso é uma piada de muito mau gosto mas vocês vão responder por isso e vão pagar caro por ter levado adiante esse delírio do prefeito.
Indignados com a fala de João Rufino e se sentindo ultrajados em sua autoridade, os Conselheiros ordenaram aos guardas reais.
– Recolha o homem a cadeia.
A ordem foi cumprida imediatamente. Imobilizado pelos brutamontes, João Rufino foi levado, aos empurrões, para a cadeia na parte inferior do palácio.
– Isso é um absurdo, vou denunciar na ONU, nos Direitos Humanos, a Anistia Internacional. Vocês vão pagar pelo que estão fazendo. Vocês estão loucos. Me soltem! Me soltem!
Os gritos de João Rufino ecoavam sem resposta. Ouviu-se apenas um barulho de uma pesada grade sendo trancada.
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