NESTE CAPÍTULO SE CONTA O DIA EM QUE O REI BOTOU OS DEFENSORES DA TERRA PLANA PARA ACREDITAR QUE A TERRA ERA QUADRADA. A IDA DO LÍDER ESQUERDISTA JOÃO RUFINO A BRASILIA PARA DENUNCIAR QUE UM REINADO HAVIA SIDO CRIADO EM SANTANA DAS PEDRAS
Existia em Santana das Pedras um grupo que acreditava que a terra era plana e se reunia secretamente para discutir o assunto. Eram cerca de 20 pessoas, sendo um engenheiro, um arquiteto, um médico, estudantes e profissionais liberais. Todos eles eram contra a democracia, tinham pavor da esquerda e apoiavam fanaticamente o reinado. O único ponto de discordância entre eles e o rei é que o monarca havia declarado, no decreto de posse, que a terra era QUADRADA.
– Como é que pode o nosso rei dizer que a terra é quadrada? Reclamava o engenheiro.
– O que será que deu na cabeça dele para fazer uma afirmação dessas? Questionava o arquiteto.
Conversa vai, conversa vem, tiveram a ideia de marcar uma audiência com o rei para tentar convencê-lo de que a terra era plana e não QUADRADA.
O engenheiro era filho de um falecido amigo do rei e conseguiu, até com certa facilidade marcar a audiência.
– Que satisfação recebê-los aqui meus súditos – disse o rei, enquanto os súditos se ajoelhavam e beijavam-lhe o anel como se fazia antigamente. Era exigência do protocolo real de Santana das Pedras.
– A satisfação é nossa em visitar vossa majestade, esta augusta figura que nos enche de orgulho.
– Mas me digam meus súditos, a que devo esta visita?
Os terraplanistas se entreolharam e o engenheiro adiantou-se
– Em primeiro lugar queríamos parabeniza-lo pela brilhante ideia de acabar com essa tal de democracia aqui em Santana das Pedras e implantar o reinado. Democracia é coisa da esquerda atrasada e nunca vai dar certo. O senhor fez muito bem ao acabar com essa praga. Para usar uma metáfora futebolística, o senhor fez um gol de placa.
– Muito obrigado meu jovem, vocês sabem que no meu cérebro não falta lobosofeia e leprego. Ramufagem é comigo mesmo. Tive que usar de muita ramufagem, lexicolosia e outras basófias para extinguir a tal da democracia e criar o reinado em nossa amada Santana das Pedras.
– É por sabermos que o senhor é um homem da mais alta ramufagem e muita lexicolosia que não temos a menor dúvida que o senhor entenderá o assunto que nos traz aqui
– Ora, Ora, deixen de arrodeio, de remulengo, de caximbó e vamos direto ao assunto meus súditos.
– Majestade, o senhor fez constar, em seu decreto de posse, que a terra é quadrada. Não foi isso?
– Exatamente. A terra é QUADRADA. Porque? Vocês tem alguma dúvida quanto a isso?
-Não majestade. Não se trata de uma dúvida. Quem somos nós para duvidar de um decreto exarado por tão loxicoloso rei. É que somos estudiosos do assunto e temos muito interesse em auxiliar o reinado para não corrermos o risco de termos a democracia de volta e ainda termos que ouvir a esquerda dizer que todos os seres humanos tem direitos iguais.É por causa disso que, baseado em estudos profundos e até mesmo na ciência, nos temos certeza que a terra é plana.
O Rei fingiu serenidade.
– E porque você acham isso?
– Os estudos majestade, a ciência. O senhor modernizará ainda mais o seu reino se admitir que a terra é plana e não quadrada. Eu suplico que aceite a nossa humilde sugestão.
O rei ficou alguns segundos em silencio, bateu o cetro no chão e voltou a falar
-Vocês já pararam para pensar no que vocês estão fazendo? Vocês estão tentando desmentir um decreto do rei. Vocês sabem a gravidade disso? Sabem? Além disso vocês não viram no decreto que ciência para mim tem o mesmo valor de um jegue?
-Não é isso majestade. Estamos apenas querendo contribuir com a modernização do reinado. O senhor sabia que a força da gravidade não existe e que há um muro de gelo que cerca a terra, o que prova, de forma irrefutável, que a terra é plana?
O Rei levantou-se do trono, andou pela sala e virou-se para os terraplanistas e sapecou
– Tá certo. Tá muito bem. O único muro de gelo que conheço é aquele cubo que a gente bota em uísque e, só isso já me basta para provar que a terra é quadrada. Segunda coisa. Já que vocês estão sustentando aqui diante da minha real pessoa que a força da gravidade não existe então quero fazer uma proposta a vocês. Escolha um de vocês para subir na torre da igreja e pular de lá de cima. Se não existir força de gravidade, como vocês estão dizendo, o cabra vai flutuar e não vai cair certo? Mas se existir a força da gravidade, o infeliz vai se esborrachar no chão que nem um mamão podre. Então ficamos assim. Se o cabra não cair eu renuncio o meu reinado e o emposso um de vocês em meu lugar. Quem topa, dê um passo a frente.
Obviamente ninguém topou. O rei retomou a conversa já falando em outro tom muito mais alterado.
– Tá vendo como eu desmontei em dois minutos a teoria de vocês? Tá vendo? Entendem agora a gravidade do que vocês fizeram? Vieram aqui e, diante de mim, se opuseram a um decreto do rei e sabem o que acontece com que faz isso? Sabem?
O grupo permaneceu calado, tremendo de medo.
– Já que vocês não responderam, eu vou responder: quem tenta desmentir um decreto do rei, comete crime de lesa majestade e a punição é a morte na forca.
Ao ouvir essas palavras, o grupo caiu de joelhos, chorando aos pés do rei
– Perdão majestade, misericórdia, não era essa a nossa intenção.
Neste momento dona Cândida, a secretária, surgiu na sala como se viesse de algum aposento secreto.
– Não faça isso majestade. Não condene esses jovens a morte pelo amor de Deus. Lembre-se que um deles é filho de um falecido amigo seu e de quem o senhor gostava muito.
O rei andou mais uma vez pela sala
– É dona Cândida, para mim é sempre difícil resistir a um pedido seu. Não os condenarei a morte mas, como temos aqui no grupo um engenheiro, um arquiteto e diversos outros profissionais, eles, a partir de agora, como castigo para nunca mais contestarem o rei, serão requisitados a força para construir o palácio do rei no ponto mais alto da cidade. Ficarão sob os cuidados da minha guarda e só serão liberados quando o palácio for concluído. E deem graças a Deus e a dona Cândida pois o certo seria mandar vocês para o enforcamento. E para concluir nossa conversa quero fazer uma pergunta e quero que todos me respondam do fundo do coração. A terra é redonda?
Não majestade – gritaram todos
A terra é plana – Nunca foi majestade, gritaram todos novamente.
A terra é?…O rei fez uma pausa e aguardou já saboreando a resposta
QUADRADA – Todos gritaram.
O rei então ordenou aos guardas que os levassem e que começassem imediatamente o trabalho de construção do palácio.
A construção foi relativamente rápida. Com medo do rei mudar de ideia e mandá-los para a forca os rapazes da terra plana, trabalharam de forma enlouquecida e, em pouco tempo a obra estava pronta. Uma depressão do terreno foi aproveitada para que um lago fosse feito em frente ao prédio de dois pavimentos. No primeiro ficava a guarda do rei devidamente paramentada parecendo a guarda suíça que faz o serviço de segurança do Papa, por uma escada, também devidamente guarnecida por seguranças, chegava-se a sala do trono. Uma porta lateral dava acesso a residência real e outra para os aposentos do príncipe herdeiro. Havia ainda uma porta secreta que, segundo dizem, era utilizada pelo rei para os seus encontros com dona Cândida mas isso permanece no plano da fofoca. Saberemos mais para frente.
A fazenda do prefeito foi transformada na residência de campo do rei e sua família e também passou a contar com forte aparato de segurança. Para transporte do rei, foi fabricada uma carruagem luxuosa iguais aquelas de antigamente que eram puxadas por seis cavalos e conduzidas por um cocheiro. Estes gastos todos sangraram os combalidos cofres do reinado e, deixaram a população em situação de penúria, muitos chegaram mesmo a passar fome para sustentar a ostentação da corte. Mas ninguém ousava dizer nada como medo de ser acusado de crime de Lesa Majestade e serem condenado a forca. Era melhor sofrer em silêncio do que ter uma corda no pescoço em praça pública.
O LÍDER ESQUERDISTA JOÃO RUFINO VAI A BRASÍLIA DENUNCIAR QUE EM SANTANA DAS PEDRAS, O PREFEITO CRIOU UM REINADO
– Como é que é? É isso mesmo que você está me dizendo meu nobre vereador? O prefeito de Santana das Pedras acabou com a eleição e transformou a cidade em um reinado?
– Exatamente deputado, é isso mesmo que o senhor ouviu. E o pior é que ele comprou os líderes religiosos, os vereadores, fizeram a cabeça do povo e depois disso ainda fizeram um plebiscito de araque e 90 por cento da população votou a favor do reinado. O homem já foi empossado como rei e já construiu até um palácio com trono e tudo e, enquanto ele comete essa loucura, o povo sofre sem emprego, sem salário, sem nada, passando fome. Um horror o que está acontecendo em Santana das Pedras.
– É inacreditável, exclamou o deputado e emendou “Vou agora ao Plenário da Câmara dos Deputados, fazer esta denúncia e cobrar providências urgentes. Um Prefeito do interior transformar um município em um reinado? Era só o que me faltava. Isso não pode acontecer no Brasil.’
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PRONUNCIAMENTO DO DEPUTADO
Naquela tarde, no Plenário da Câmara em Brasília, o deputado subiu a tribuna e fez um forte discurso denunciando o que estava acontecendo em Santana das Pedras.
“Senhor Presidente, Senhoras e senhores deputados. Vocês não vão acreditar no que vou relatar agora. Parece piada de mau gosto mas, infelizmente, é verdade. São os absurdos que vem acontecendo no Brasil. Imagine os senhores que um prefeito, no sertão da Bahia, ao arrepio da lei, afrontando a constituição, declarou o fim da eleição, o fim da democracia e instalou um reinado na cidade de Santana das Pedras. E o que ainda é pior: se declarou rei e mandou construir até um palácio. Fechou a Câmara Municipal e os vereadores foram transformado em Nobres Conselheiros do Rei, assim com os líderes religiosos foram empossados no Conselho Religioso. Os cargos são vitalícios e passam de pai para filho. E o mais absurdo ainda: o rei decretou que a terra é quadrada e quem discordar será enforcado em praça pública.
No plenário alguns parlamentares duvidavam que algo tão surrealista estava mesmo acontecendo no interior do Brasil. Outros davam risadas da novidade, alguns, partidários da monarquia faziam discursos em defesa do prefeito e diziam que ele fora muito corajoso e que fizera o que era certo e que o Brasil precisava mesmo voltar ao tempo do reinado para poder se desenvolver. “Esta tal de democracia é um atraso. Só a esquerda para gostar de uma peste desta”, dizia um deputado.
Aos berros os deputados da esquerda protestavam com veemência e cobravam providências urgentes do presidente da Casa, do Supremo Tribunal Federal, prometiam denunciar na ONU o que vinha acontecendo em Santana das Pedras.
– O que esse prefeito fez é muito grave. Ele precisa ser preso imediatamente por afronta a constituição e por tentativa de fazer o Brasil retroceder ao tempo do reinado. Não podemos em hipótese nenhuma admitir isso. Só posso atribuir tal fato a realidade em que estamos vivendo em que o governo incentiva todo tipo de bizarrice como os discursos nazistas, o racismo, o ódio a mulher, aos excluídos, isso acaba dando coragem a gente maluca como esse prefeito a tomar esse tipo de atitude. Peço ao nobre presidente desta Casa que instale uma comissão de parlamentares para ir a Santana das Pedras apurar os fatos e que a Polícia Federal tome as providências para acabar com essa palhaçada em Santana das Pedras. Uma situação como essa é completamente inadmissível.
Um deputado que era a favor do prefeito, pediu a palavra e adiantou: A ideia desse prefeito é muito boa. O Brasil não precisa de democracia. Precisa é de desenvolvimento. Vou inclusive levar essa ideia para alguns prefeitos de outras regiões do Brasil para que eles também sigam esse herói do Nordeste e acabe com a democracia em suas cidades e instale o reinado. Só assim podemos nos desenvolver sem essas ideias retrogradas da esquerda que só fala em justiça social e em igualdade. Somos pela pátria e pela família acima de tudo. É por isso que a esquerda fica nessa raiva toda. Não adianta raiva, abaixo a democracia, viva o reinado.
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Depois desse pronunciamento um princípio de tumulto entre os deputados que eram contra e os que eram a favor do reinado. Foi preciso que os seguranças da Câmara entrassem em ação para que os deputados não trocassem sopapos no plenário, diante da imprensa.
O REI SE ENFURECE
O rei de Santana das Pedras, ao tomar conhecimento de que João Rufino o havia denunciado na Câmara dos Deputados, ficou enfurecido.
– Eu vou pegar aquele tatu peba, aquele ruduleiro de vazante, aquele caxingó, filho de uma caxinguelê com sucuri, filho de bode com urubu, miserento do cabrunco.
– Calma majestade – dizia dona Cândida, a governanta do rei, já trazendo um chá de camomila para o soberano.
– Com rosto avermelhado, quase pegando fogo, atropelando as palavras, o rei ordenou a dona Cândida
– Reúna urgentemente os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso. Vamos começar uma caçada ao João Rufino. Ele não devia ter cutucado onça com vara curta. O pau vai quebrar no lombo dele até dizer chega.
LEIA NO PRÓXIMO CAPÍTULO: A ESTRATÉGIA PARA PEGAR JOÃO RUFINO E CONDENAR A FORCA.