Naquela manhã de sol escaldante no sertão da Bahia, a população de Santana das Pedras estava nas ruas fazendo passeata, promovendo um tremendo rebuliço na praça em frente ao prédio da prefeitura. Os salários dos servidores estavam com mais de um ano de atraso, os professores entraram em greve, nos postos de saúde não tinha médico e nem remédios. Por esses e outros motivos, as manifestações pipocavam embaixo de um sol de 40 graus. Os grevistas faziam o de sempre: portavam faixas e cartazes, exigiam a renúncia do prefeito e, aos berros achincalhavam o gestor municipal.
No gabinete, cercado de assessores, o prefeito anda de um lado para o outro, passa o lenço no rosto molhado de suor e não consegue esconder o desassossego.
Um dos assessores, ouvindo os gritos dos manifestantes, vendo que o prefeito estava encurralado e sentindo que a coisa caminhava para o pior, faz, meio por acaso, o seguinte comentário. “Bom mesmo era no tempo do reinado, quem falasse mal do rei era condenado a morte, na forca. E ficou repetindo. “Bom mesmo era no tempo do reinado. Bom mesmo era no tempo do reinado”
Ao ouvir aquilo, o prefeito teve um estalo no cérebro e com um jeito enigmático ficou olhando pela janela à praça onde a multidão protestava. De lá os gritos chegavam aos ouvidos do prefeito e dos assessores.
Fora prefeito corrupto,
Fora comedor de propina
Fora ditador
Abaixo a ditadura de Santana das Pedras
Dentro do gabinete o assessor tornou a repetir: “É o que eu digo, bom mesmo era no tempo do reinado, quem falasse mal do rei ia parar na forca. Bom mesmo era no tempo do reinado, bom mesmo era no tempo do reinado”
Nem bem o rapaz terminou de falar e o prefeito virou-se para ele e perguntou, secamente:.
“Você disse reinado? Foi isso mesmo que você falou meu jovem?”
O rapaz, sentiu um tremor nas pernas, com medo pensou que iria ser demitido e choramingou pedindo perdão
– “Sim, sim, me desculpe seu prefeito, foi uma besteira minha, é que eu sou meio bestaiado da ideia, desmiolado, ruim da bola, zoró, miolo mole, pode me dar um esporro que eu mereço pra eu aprender a não falar basteira. Me perdoa por favor, não me demita. Eu preciso do emprego, tenho família para sustentar.”
Para surpresa de todos, o prefeito atravessou a sala e deu um longo abraço no assessor
– Que demitir que nada! Que esporro que nada meu rapaz! Você merece um prêmio por essa ideia genial que você me deu. Merece um aumento. Como não pensei nisso antes? Vou acabar com essa bestagem de eleição e transformar Santana das Pedras em uma monarquia, como existia antigamente, num sabe? Vamos voltar a ser um reinado que é muito melhor e acabar com essa esculhambação que o povo tá fazendo nas ruas de Santana das Pedras para me desmoralizar. Esta tal de democracia foi a maior burrage que já inventaram.
– Uai e pode, a lei permite, num sistema democrático, um prefeito acabar com a eleição e se declarar rei?
Perguntou outro assessor
O prefeito olhou de forma atravessada e sem esconder a raiva.
– Tem assessor que só serve para criar dificuldade para vender facilidade. Claro que pode! No Brasil tudo pode e aqui em Santana das Pedras pode muito mais ainda. Quem é que liga para um lugarzinho desse perdido no fundo do sertão? Só nós mesmo que somos daqui. Chega de conversa. Vamos a ação. Mãos a obra. Prepare o decreto que vou assinar transformando Santana das Pedras em uma monarquia hereditária e vamos instalar o reinado imediatamente, Vamos acabar com a farra desses vândalos e baderneiros da esquerda que estão na rua protestando contra mim. Onde já se viu uma esculhambação dessas por causa de um atrasinho de salário besta deste? Quem é que num guenta ficar um ano sem comer, sem pagar aluguel, sem pagar conta de luz, sem pagar água? Quem? Quem num guenta? Qualquer um guenta. Só esse povo aqui de Santana das Pedras que é cheio de nó pelas costas, metido a biscoito de sebo, por conta de qualquer atrasinho de salário quer fazer protesto. Eta povinho mal acostumado. Eita povinho cheio de traminguichê. Mas vamos acabar com esse fuá urgentemente. Eu agora vou me declarar rei e ninguém poderá falar mal de mim ou será condenado a morte na forca. Exatamente como acontecia antigamente.
E virando-se para a secretária Dona Cândida, ordenou.
– Ligue para os vereadores. Quero uma reunião de urgência com eles, menos o safado do João Rufino, aquele comunista miserável que é contra mim. Eu tenho certeza que é ele que está liderando estas manifestações todas, promovendo esse fuá na cidade. A criação do reinado vai ser o fim de João Rufino e sua turma de desocupados da oposição. Vão ficar mais moído que cana de garapa. Ligue ai para os vereadores, dona Cândida, não me ouviu?
“Danou-se. O homem endoidou, ta batendo pino, agora quer virar rei. Será que esta loucura vai dar certo?” pensou dona Cândida, a secretária, enquanto ligava para os vereadores convocando para a reunião.
REUNIÃO COM OS VEREADORES
– Como assim, acabar com as eleições?
A interrogação foi feita por um dos vereadores enquanto os demais olhavam espantados sem entender aquela maluquice do chefe do executivo municipal.
O prefeito, com as mãos cruzadas nas costas, caminhava pela sala e em um gesto quase professoral, explicava o seu plano.
– Veja bem meus caros vereadores, esse negócio de democracia só deu certo mesmo na Europa, aqui na América Latina e nos países subdesenvolvidos nunca deu certo. Olha ai a situação do Brasil. Esse é um pais que nunca deu certo e a culpada é essa tal de democracia. Se não fosse essa disgrama, esta misera, o Brasil era muito melhor. Assim sendo nós vamos dar o exemplo ao mundo e acabar a peste da democracia aqui em Santana das Pedras. Não teremos mais eleições e vamos transformar a cidade em um reinado. Já mandei fazer o decreto, tão me entendendo?
– Reinado?
Os vereadores falaram em coro estranhando o rumo da conversa.
-O senhor quer transformar Santana das Pedras em um reinado? É isso mesmo que nós estamos ouvindo?
– Exatamente. Isso mesmo, Santana das Pedras será um reinado, uma monarquia. Vai ser bom para mim que vou ser declarado rei, investido de poderes divinos e poderei passar o poder para o meu filho que passará para o filho dele e assim sucessivamente. Tão me entendendo? E ai, com a criação do reinado de Santana das Pedras, não precisaremos mais de diabo de eleição e nem de Câmara de Vereadores. Vocês sabem: no reinado quem manda é o rei e ponto final.
Diante da novidade, os vereadores reagiram
– E nós? Como é que ficamos sem câmara, sem mandato, vamos ficar no pau da goiaba, com cara de guaxinim da bunda pelada, sem salário, sem nada?
– Nada disso, apressou-se o prefeito com um sorriso maroto no canto dos lábios. Vocês serão os maiores beneficiados com a criação do reinado.
– Como assim? Quiseram saber os vereadores ainda tentando entender onde o prefeito queria chegar
CONSEGUIRÁ O PREFEITO IMPLANTAR O REINADO EM SANTANA DAS PEDRAS? ACOMPANHE AMANHÃ NO SEGUNDO CAPÍTULO DESTA HISTÓRIA.