A notícia que Santana das Pedras poderia ter uma barragem que seria construída próximo a cidade, na cabeceira do rio, causou um verdadeiro alvoroço na pequena comunidade.
O povo entrou em desespero, foi um bafô, um fuá sem fim, com todos em polvorosa pelas esquinas, bares e casas, afirmando assombrados que em pouco tempo a cidade poderia ser varrida do mapa por meros interesses econômicos como aconteceu em Brumadinho quando a barragem estourou e quase 300 pessoas morreram.
Os comentários davam conta de que o prefeito e os vereadores teriam recebido uma grossa propina de um grupo estrangeiro para permitir a instalação da barragem.
Foi quando dona Maroca, viúva de Zé Maritaca, um dos maiores líderes políticos de Santana das Pedras, que tinha sido prefeito da cidade por três vezes e, em vida, fora um dos principais adversários do atual prefeito, teve a ideia de ir fazer uma visitinha ao túmulo do marido e, ao invés de fazer as costumeiras orações, pediu ao falecido que exercesse a liderança no mundo dos mortos – tal qual exercia quando era vivo – e tomasse as providências para que a barragem não fosse implantada, ou então, Santana das Pedras estaria condenada a sumir do mapa, apagando para sempre a história de homens valorosos como ele (o seu esposo, o finado ex-prefeito Zé Maritaca).
Foi a partir desta conversa da viúva no túmulo do esposo que coisas estranhas começaram a acontecer na cidade.
Depois da conversa de dona Maroca no tumulo do marido, contando sobre a possível instalação da barragem e sobre a propina que o prefeito e os vereadores teriam recebidos, os moradores de Santana das Pedras passaram a ter um comportamento diferente e a afirmar com todas as letras que as almas dos defuntos, sepultados no cemitério da pequena cidade tinham se rebelado, derrubaram o muro do cemitério e agora estavam pelas ruas da cidade provocando um fuzuê da peste.
O caso era de arrepiar.
Nunca se ouvira falar no mundo em uma revolta protagonizada por defuntos, a não ser no livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Só que lá, o caso era diferente. Narra, o grande escritor gaúcho, que sete defuntos, na cidade de Antares, saíram dos caixões revoltados com uma greve que impedia a realização do sepultamento deles e, em seguida, foram para o coreto da cidade e de lá começaram a contar os podres dos vivos. A pressão surtiu efeito e eles foram sepultados dignamente.
Em Santana das Pedras a revolta dos defuntos se deu por outros motivos: Além do grave boato da instalação da barragem havia grande reclamação dos moradores com relação a situação de abandono do cemitério do lugar. O mato tomava conta, jegues pastavam, mendigos dormiam em tumbas e os parentes dos mortos não podiam visitar os túmulos nem mesmo no dia de finados para homenagear os seus entes queridos. Além disso, ao contrario do Incidente em Antares, os defuntos já estavam sepultados há muito tempo. As almas deles é que, como passaremos a contar mais à frente, exigiam que o cemitério fosse bem cuidado e que os mortos fossem tratados com dignidade. Ou seja: eram duas as reivindicações dos defuntos. A primeira era que a barragem não fosse construída para que Santana das Pedras não fosse por água abaixo e a segunda era uma completa reforma e embelezamento do cemitério. Captaram senhores e senhoras leitoras?
O cenário de abandono em que vivia o povo de Santana das Pedras, relegado ao total esquecimento pelas autoridades – era um terreno fértil – sob um sol de 40 graus que parecia derreter sem piedade o cérebro dos moradores – para que se ganhasse força toda forma de alucinação e eles acreditassem em qualquer coisa por mais estranha que pudesse parecer.
LEIA AMANHÃ SEGUNDO CAPÍTULO DA MINI-SÉRIE, A REVOLTA DOS DEFUNTOS, ESCRITA POR ROBERTO DE SENA