NESTE OITAVO CAPÍTULO CONTA-SE COMO JOÃO RUFINO FOI SALVO DO ENFORCAMENTO POR INTERFERÊNCIA DE DONA CÂNDIDA, A SECRETÁRIA DO REI, E EXCOMUNGADO COMO ACONTECIA ANTIGAMENTE. JOÃO RUFINO VIROU UM MORTO VIVO E TEVE QUE ABANDONAR SANTANA DAS PEDRAS MAS NÃO ABANDONOU A LUTA PELA VOLTA DA DEMOCRACIA
Depois de jogarem João Rufino no calabouço, os Nobres e o Conselho Religioso foram ter com o rei para preparar o enforcamento do líder esquerdista.
– Vamos condenar esse miserável a morte – bradou o rei revoltado com relato feito pelos conselheiros.
– Minha autoridade real não pode ser contestada. Vamos enforcá-lo para servir de exemplo a quem se atrever a me criticar. Será um espetáculo grandioso para toda a cidade assistir.
Dona Cândida, que acompanhava tudo, entrou na conversa
– Majestade me escute, por favor, eu só quero o bem do senhor e de Santana das Pedras. O reinado foi implantado faz pouco tempo e não fica bem já ir executando gente assim de uma hora para outra. Pode ficar mal visto, pode ter consequências sérias. João Rufino não é um qualquer. Ele tem amigos influentes na Assembleia Legislativa da Bahia, na Câmara dos Deputados e até no Senado Federal. O senhor acha que vale a pena enforcar João Rufino e chamar atenção destas autoridades todas que se voltarão contra o senhor? Eu acho isso muito arriscado. É preciso ter calma e pensar melhor. Não é bom tomar nenhuma atitude de cabeça quente.
Impaciente o rei retirou a coroa da cabeça, arrumou os cabelos e recolocou a coroa.
-Tá virado na cloroquina, disse o rei em forma de contrariedade.
Dona Cândida, utilizando todo o seu poder de persuasão, continuou falando.
– O senhor sabe que a esquerda do mundo inteiro se levantará contra o senhor e dai a sermos vítimas de uma ação internacional é coisa rápida. Já pensou o reinado sofrer um ataque da China, da Rússia, de Cuba ou até mesmo da Venezuela? Estaríamos liquidados majestade. Pense nisso.
O rei refletiu e perguntou a dona Cândida
-Pois muito bem. Devo reconhecer que esse ruduleiro de vazante, esse bosta de cágado tem realmente amigos influentes que podem desarticular o reinado e trazer de volta para nossa terra o flagelo, a praga da democracia que nós não queremos mais aqui. Mas já que a senhora levantou esta questão, o que a senhora me sugere, dona Cândida?
Os Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso ficaram em silencio mirando a secretária. Sabiam dos comentários de que o rei teria um caso com ela mas preferiam fingir que não sabiam.
Dona Cândida, que era uma mulher muito prática, disse o que pensava
-Eu sugiro que ao invés da pena de enforcamento, vossa majestade, num gesto de clemência digna dos grandes reis, poupe a vida dele e o condene apenas a ser excomungado em uma cerimônia pública em que ele passe por grande humilhação diante de todos. Sugiro excomunhão porque ele colocou em dúvida a honestidade do Conselho Religioso e falar contra a religião é crime no reinado, tá escrito no seu decreto de posse.
-Isso é verdade, concordou o rei e vaticinou
– Depois disso, ele será banido da sociedade de Santana das Pedras. Ai ele só terá duas saídas: ou ir embora daqui ou vir de joelhos implorar o meu perdão.
Os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso tiveram que fazer um grande esforço para o soberano não perceber que eles alimentavam uma rancorosa inveja de dona Cândida.
O rei suspirou, tossiu, tomou um gole de chá, ficou alguns minutos em silencio e por fim deu a ordem
– Pois muito bem. Que preparem a excomunhão. Avise a toda cidade, mande o anunciador oficial do reinado ir de casa em casa, de praça em praça, de igreja em igreja e avisando que eu o Rei Carlos I, soberano desta cidade de Santana das Pedras, decretei a primeira excomunhão do meu reinado e ordeno que toda a população esteja presente ao ato. Quem não comparecer será considerado cumplice. Quero que a cerimônia seja virada numa cloroquina.
A EXCOMUNHÃO
A cidade foi toda preparada para a histórica primeira excomunhão do reinado. O imenso salão do palácio teve as suas paredes pintadas de preto e no dia marcado os sinos dobraram durante todo o dia anunciando a cerimônia. No inicio da solenidade, os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso adentram o salão. Todos ricamente paramentados em suas vestes de gala. Cada um trazia uma tocha acesa na mão. Sem acreditar no que estava acontecendo, João Rufino foi trazido esperneando para a sala. Uma multidão se acotovelava no salão para assistir a excomunhão. As tochas acesas em contrates com as paredes pretas criavam um ambiente de mistério no palácio.
O rei ergueu-se do seu trono atraindo todos os olhares e de forma solene pronunciou as seguintes palavras. “Fica o herege João Rufino condenado a excomunhão por criticar e não respeitar a religião que é um dos sustentáculos da pátria e da família. Ele demonstra não ter temor do altíssimo e, a partir de hoje não poderá mais comprar no comércio nem a vista e nem a prazo, não pode circular nas áreas públicas para não contaminar as pessoas, não pode frequentar festas, nem mesmo de aniversários, não pode ter conta em banco, não pode namorar com nenhuma mulher residente em Santana das Pedras, não pode sequer frequentar velório ou missa, ou culto e está assim banido do convívio da sociedade.
Reafirmo ainda que todo aquele que der qualquer espécie de ajuda ou de acolhimento ao excomungado, será considerado cúmplice e sofrerá as mesmas penas previstas no decreto por mim assinado. Por fim, declaro João Rufino, oficialmente excomungado e banido para sempre de Santana das Pedras. Que sua casa e todos os seus bens passem para domínio do reinado. Que as trevas o receba. Esta encerrada a cerimônia de excomunhão deste esquerdista que não respeita a religião e nem a família”
– Isso é ridículo, vocês enlouqueceram, vocês vão responder por isso. Abaixo a ditadura. Vivemos em uma democracia. No Brasil não existe reinado.
Gritou João Rufino
O rei se retirou da sala e, em seguida, em fila indiana os Nobres Conselheiros do Rei e o Conselho Religioso se retiraram.
Os guardas reais arrastaram João Rufino pelo pescoço e o jogaram no meio da rua como se fosse um monte de lixo.
Trôpego, cambaleante, desgrenhado, como se estivesse em estado de delírio João Rufino andou sem rumo. Em uma esquina encontrou um velho amigo, deu boa noite, tentou puxar conversa mas, para sua surpresa, o amigo virou-lhe o rosto e o deixou falando sozinho, fugiu dele como o diabo foge da cruz. O medo estampado nos olhos. Depois João Rufino foi a um bar onde era freguês de longas datas e pediu uma cerveja. O dono do bar reagiu com rispidez. “Aqui não vendemos nada para excomungado. E tem mais: a conta que você tem aqui não precisa mais pagar. Não recebemos dinheiro de quem foi excomungado. É um dinheiro amaldiçoado. Por favor, não venha mais a este recinto. Aqui não queremos saber de excomungados. Estamos correndo as léguas desses degenerados que não respeitam a fé e a lei do reinado”.
Desnorteado, o vereador tentou ir a casa de amigos próximos, todos fingiram lhe desconhecer e pediram para que ele não mais retornasse e esquecesse que foram amigos um dia. Depois de passar a noite rodando de bar em bar, de boteco em boteco, sem ser aceito em lugar nenhum e sendo tratado como se fosse portador de alguma perigosa doença contagiosa, João Rufino decidiu ir ao único lugar da cidade onde ele esperava ser aceito. Dirigiu-se ao famoso cabaré, de nome Fofa Toba, disposto a chorar suas magoas no colo de uma das moças da casa.
Lá chegando, dirigiu se a sua amiga Rosalina, dona do Cabaré. Quando ele ia dizer alguma coisa, a mulher o interrompeu e disse que ele já não poderia mais frequentar o prostíbulo.
– Mas Rosalina você me conhece faz tanto tempo, sabe quem eu sou. Que negócio é esse? Que Loucura é essa? Você também tá acreditando na palhaçada deste prefeito que agora se diz rei?
Rosalina, acostumada aos infortúnios das mulheres do ramo da prostituição, acolhedora de tantas sofredoras, era uma pessoa forte, justa, de bom coração e explicou o que estava acontecendo.
– Olha João, não era nem para eu tá conversando com você pois já estou correndo risco de ser considerada cúmplice e também sofrer as piores perseguições que esse prefeito que se diz rei vem fazendo com os mais fracos, mas como lhe conheço de muito tempo, sei que você é boa gente, é um defensor do povo pobre, vou lhe dar um conselho. Saia de Santana das Pedras o mais rápido possível. Foi dada uma ordem expressa para ninguém conversar ou prestar qualquer tipo de ajuda a um excomungado e, principalmente, a você que é considerado defensor da democracia e inimigo número um do reinado. Eu sou contra isso mas não posso fazer nada. Me desculpe mas tenho que lhe pedir, educadamente, para você se retirar. Faço isso de coração partido mas é porque sou obrigada. Peço desculpas a você. Agora vá meu amigo e se cuide. O medo tomou conta de Santana das Pedras mas tenho certeza que este pesadelo vai passar e nos vamos nos encontrar em momentos mais felizes.
Ao ouvir os argumentos da mulher João Rufino percebeu que o problema era maior do que ele estava imaginando. O prefeito de forma ardilosa e utilizando de todos os meios sórdidos, havia manipulado a população de tal maneira que todos acreditavam mesmo que Santana das Pedras havia se transformado em um reinado e seguiam fielmente as ordens do rei. Rosalina fora a única que tivera a coragem de falar com ele e explicar tudo de forma muito clara. Era uma mulher digna, merecedora de respeito. Muito mais do que aqueles que se diziam defensores da moral e da família.
Naquele noite, sem ter para onde ir, João Rufino perambulou feito um sonâmbulo de um lado para o outro e quando não se aguentava mais de cansaço e humilhação, foi obrigado a dormir em um casebre abandonado fora da cidade. No dia seguinte, antes do sol nascer pegou a estrada andando a pé pois sabia que ninguém lhe daria uma carona e ainda corria o risco de ser morto por algum puxa-saco que queria agradar ao rei. Carregando nos ombros o peso terrível de ser um excomungado, caminhou 50 quilômetros escondido por dento da mata até alcançar a cidade mais próxima e, lá chegando, relatou todo o seu drama a um primo, este, comovido, lhe deu dinheiro com o qual ele comprou passagem e, viajou de volta para Brasília, onde pretendia tomar sérias providências para acabar com aquela situação absurda que estava acontecendo em Santana das Pedras.
“Vou pintar o sete mas juro que me vingo desse rei de araque. Esse Nero do Sertão” dizia João Rufino ao chegar a Brasília e começar a preparar o contra ataque.
LEIA AMANHÃ O PRÓXIMO CAPÍTULO. OBRIGADO PELA ATENÇÃO DE TODOS.