Menos de 12 horas após ter sido à televisão propor um pacto a governadores e prefeitos na crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a criticá-los pelas redes sociais nesta quarta-feira (1º), mais uma vez colocando em xeque as medidas de isolamento social.
Um dia antes, em seu quarto pronunciamento sobre a crise, o presidente havia sinalizado uma mudança de tom de seu discurso e pedido um pacto nacional para o enfrentamento à pandemia.
Depois de criticar em sua última aparição em TV gestores locais pelas medidas de isolamento social, além de culpar a mídia por espalhar pânico na população, ele pregou nesta terça-feira (31) a junção de esforços.
“Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”, declarou.
Se em outras ocasiões comparou a doença a uma gripezinha e a um resfriadinho, Bolsonaro desta vez disse que o país enfrenta um grande inimigo. “Estamos diante do maior desafio da nossa geração. Minha preocupação sempre foi salvar vidas.”
Na manhã desta terça-feira, porém, retomou os ataques e compartilhou um vídeo em que um homem aparece no Ceasa de Belo Horizonte e relata situação de desabastecimento.
“Para você que falou, depois do discurso do presidente, que economia não tinha importância, que importante eram vidas, dá uma olhada nisso aí. Pois é, fome, desespero, caos também matam”, diz o homem no vídeo compartilhado por Bolsonaro.
“A culpa disso aqui é dos governadores pq o presidente da República está brigando incessantemente para que haja uma paralisação responsável. Não paralisar todos os setores, quem não é do grupo de risco voltar a trabalhar, ok?”, afirma o homem, que fala em “governadores querendo ganhar nome e projeção política a custa do sofrimento da população”.
Acompanhando o vídeo, Bolsonaro postou três frases. “Não é um desentendimento entre o Presidente e ALGUNS governadores e ALGUNS prefeitos..”, diz o presidente. “São fatos e realidades que devem ser mostradas”, prossegue. “Depois da destruição não interessa mostrar culpados”, conclui o presidente.
Bolsonaro tem insistido na adoção do chamado isolamento vertical, no qual apenas idosos e grupos de risco devem ser isolados —o restante da população deveria voltar a trabalhar imediatamente.
Essa opinião externada por Bolsonaro é contrariada não só pela OMS e por especialistas em pandemia, mas pela maioria dos líderes mundiais, inclusive o presidente americano, Donald Trump. Itália e Reino Unido, antes favoráveis a esse isolamento menos restrito, voltaram atrás diante do avanço dos casos da doença.
Isolado dentro e fora do governo, o presidente falou por sete minutos e 32 segundos na noite desta terça-feira, enquanto se ouviam panelaços em diversas cidades do país contra seu discurso.
Ele voltou a usar declarações do diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para sustentar tese que equipara o salvamento de vidas ao de empregos.
O presidente citou trechos de entrevista do chefe da entidade na véspera, na qual enfatizava que os governos devem ter preocupação com os mais pobres durante a pandemia.
Ghebreyesus reiterou a importância do confinamento para a prevenção do coronavírus e disse que os países que adotarem quarentena como uma das formas de conter a disseminação do devem respeitar a dignidade e o bem-estar dos cidadãos.
A mudança de tom do presidente em seu pronunciamento ocorreu após conversa com o ex-comandante do Exército general Villas Bôas e com ministros militares e da área jurídica.
Nos últimos dias, conforme mostrou a Folha, dois ministros com alta popularidade, Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), se distanciaram do presidente e passaram a apoiar a fala do titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na defesa do isolamento social.
Segundo relatos feitos à Folha, a conversa entre Bolsonaro e o ex-comandante do Exército foi decisiva para a mudança de postura. O presidente costuma se aconselhar com Villas Bôas, visto como uma figura de autoridade nas Forças Armadas.
Os militares ficaram incomodados com as críticas feitas pelo presidente a medidas de isolamento e distanciamento social. Ele vinha fazendo apelos para que as pessoas voltassem às ruas, na contramão do que orientam o Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Folha de S.Paulo