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Guilherme Bellintani e Vitor Ferraz, presidente e vice-presidente do Bahia, reuniram torcedores na Fonte Nova há uma semana para prestar contas sobre um ano e meio de gestão. Eles apresentaram as 100 ações planejadas para o mandato e deram detalhes sobre o andamento – 74% avançam dentro do planejado, inclusive.
Os dirigentes falaram sobre dívidas, contratos e negociações das mais simples, como a construção de um museu e a criação de uma universidade, até as mais complicadas, envolvendo direitos de transmissão e a captação de empréstimos com fundos estrangeiros. Sem omitir valores, sem fazer jogos de palavras. E o que é mais importante: além do discurso, ambos têm bons resultados a apresentar.
O Bahia vem de um processo de recuperação administrativa, financeira e esportiva que, embora não tão badalado quanto o do Flamengo, obteve resultados igualmente importantes dentro de suas proporções. Desde que Marcelo Guimarães Filho foi deposto pela Justiça por uma série de improbidades, uma sequência coesa de dirigentes reergueu um clube que estava endividado e desestruturado.
Segundo o próprio Bellintani resumiu aos torcedores, a primeira gestão, de Fernando Schmidt, baseou-se na democratização e na reforma do estatuto. Marcelo Sant’Ana entrou para reorganizar as finanças e a administração. Bellintani, agora, é responsável por alavancar e engrandecer o clube do ponto de vista financeiro.
Talvez uma das maneiras mais claras de expor essa recuperação seja a comparação entre receitas e dívidas. Se você, torcedor, tem dívidas que representam mais do que o dobro em relação a tudo o que você tem a receber no ano inteiro em salários, você tem problemas sérios pela frente. Esta era a situação do Bahia há cinco anos.
O endividamento correspondia a 2,3 vezes a arrecadação. Conforme o clube se reorganizou para elevar receitas e reduzir dívidas, ambas missões bem sucedidas até o momento, conseguiu reduzir essa relação para 1,3 em 2018. O objetivo de Bellintani é inverter logo essa proporção, de modo que existam mais receitas do que dívidas num futuro próximo.
O crescimento das receitas do Bahia tem se ancorado em três fatores. A parcela dos direitos de transmissão ficou maior – como aconteceu em todo o mercado brasileiro nos últimos três anos, é verdade, mas com méritos para a administração. O Bahia foi um dos que optou por vender direitos da televisão fechada para o Esporte Interativo, em 2016, em relação ao período de 2019 a 2024. De lá para cá, a diretoria descobriu que as luvas pagas pelo acordo tinham sido desiguais em relação às que o Palmeiras recebeu do mesmo canal. O Bahia então colocou a emissora na parede, renegociou as bases do contrato e conseguiu elevar o valor a receber. Também destravou nessa renegociação itens que o prejudicariam ao vender televisão aberta e pay per view para a Globo.
O segundo fator é a receita proveniente da torcida. Se alguns anos atrás a relação comercial do clube com a Fonte Nova não era a melhor possível, pois o estádio é administrado por uma concessionária formada pelas construtoras Odebrecht e OAS, esta diretoria estreitou a parceria. A democratização também tem feito a torcida se sentir identificada e representada pelo clube, motivo para que fãs compareçam ao estádio, tornem-se sócios torcedores e comprem camisas – hoje fabricadas pelo próprio clube, aliás. Isso fez com que o faturamento do Bahia com essa fonte específica mais do que dobrasse entre 2016 e 2018.
Em terceiro lugar, o Bahia passou a ter valores relevantes com a venda dos direitos de jogadores para adversários. Só no ano passado foram arrecadados R$ 18 milhões com esta linha, enquanto a média dos cinco anos anteriores ficava em torno dos R$ 7 milhões por temporada. Isso se explica pela valorização do clube como um todo. A partir do momento em que se consolida como membro da primeira divisão, com uma probabilidade de rebaixamento muito menor do que já foi no passado, o clube valoriza seus jogadores diante de adversários mais ricos. A atual diretoria tem boas relações com rivais como Corinthians e Palmeiras, dos quais pega bons jogadores emprestados, para os quais vende destaques.
Em relação ao endividamento, o bom trabalho se percebe quando o número bruto é quebrado em algumas partes para facilitar a análise. Uma maneira de fazê-lo é separar dívidas de curto prazo (que precisam ser pagas em período inferior a 12 meses) de dívidas de longo prazo (cujo vencimento é maior do que um ano). A evolução dessas duas linhas deixa claro como nessa recuperação o Bahia tem reduzido pendências urgentes e mantido as obrigações distantes sob controle.
É importante saber também que, diferente de clubes brasileiros que tomam empréstimos bancários para pagar despesas correntes – ou seja, salários de jogadores e funcionários, entre outros gastos ligados ao cotidiano do futebol –, a dívida de curto prazo do Bahia precisou levar um tranco recentemente por um motivo muito mais nobre.
Ainda na administração de Marcelo Sant’Ana com Pedro Henriques como vice-presidente, em 2017, o clube tomou crédito para recuperar a posse de seus centros de treinamento – Fazendão e Cidade Tricolor. A diretoria obteve com o Conselho Deliberativo a autorização para um empréstimo de R$ 17 milhões, mas pegou apenas R$ 8,5 milhões, dinheiro usado para resolver um acordo judicial que envolvia os patrimônios. Pois o clube quitou quase R$ 6,5 milhões daquele empréstimo até o término de 2018, e o restante deve ser pago em 2019.
Resultado de salários não pagos no passado, principalmente, dívidas trabalhistas ainda são muitas e prejudicam diretamente o time de futebol. O clube renegociou essa parte do endividamento por meio de um grande acordo trabalhista, no qual credores formam uma espécie de fila para receber o que lhes é devido, mas precisa manter o pagamento dessas parcelas em dia para não sofrer penhoras e bloqueios judiciais. E o que é pior. Há juros altos aplicados mensalmente sobre esta dívida.
A administração de Bellintani e Ferraz está trabalhando em uma solução de curto prazo para as dívidas trabalhistas. A diretoria negocia com dois fundos de investimento estrangeiros, que emprestariam dinheiro ao Bahia com juros mais baixos do que os cobrados sobre a dívida trabalhista. Dessa maneira, o clube ainda levaria um tempo considerável para acabar com o problema, porém perderia menos dinheiro com o pagamento dos juros e poderia gastar essa grana com futebol.
Por fim, ainda é preciso dizer que a dívida fiscal é bastante alta em relação ao dinheiro movimentado entre receitas e despesas, mas não gera preocupações. Uma vez renegociada por meio do Profut, ela será paga pelo clube no decorrer das próximas temporadas sem atrapalhar demais o desenrolar do futebol. Basta continuar pagando o “boleto” do governo federal todos os meses que está tudo certo.
O Bahia não é um clube que pode se dar ao luxo de contratar jogadores caros demais. Tentar competir com adversários como Flamengo e Palmeiras no dinheiro é inviável. Por mais que a recuperação administrativa e financeira desta década seja bem sucedida, o clube tricolor ainda não tem porte para assumir riscos altos demais atrás de títulos. E é exatamente este o seu principal desafio na década que está para chegar, como disse o presidente Bellintani em sua prestação de contas aos torcedores. O Bahia precisa alavancar suas finanças e ganhar tamanho – financeiramente falando – para tomar espaço de clubes tradicionais que eram maiores no passado, mas hoje estão afundados em dívidas e amadorismo. Se o bom trabalho continuar, pode acontecer.